*A foto eu tirei no meu retorno enquanto o sol nascia para dar luz a um novo dia. Alvorada aquarela!
Por Rafael Belo
Crianças nas ruas. Descalças, algumas sem camisetas. Há algo diferente nos olhares. Um vazio, uma necessidade desconhecida para elas. Seus pais têm rostos sofridos, às vezes reclamam da vida, mas por hábito dizem estar “tudo bem”. É uma situação de vida onde falta cidadania, esta tão distante como o bairro asfaltado ao lado ou o centro há alguns ônibus dali.
Eles estão acostumados, assim como muitos de nós, a viver à margem de tudo. Privados de direitos. Olhados com olhos tortos e caminhos desviados pelos mais “abastados”. São rostos velhos salientes cheios de marcas profundas feitas pela navalha cega da vida, antes da juventude chegar. Parecem fadados a viver sempre, nas situações precárias limites onde estão.
Dizem ser futuros marginais aqueles pequenos. Mas, alguns infelizmente já o são. Vejo marginalizados, isto sim. E neste ano atravessadores para políticos vestidos de caráter duvidoso e lascas de madeira e promessas e pão e circo e entretenimento vazio e assim se atrofia a humanidade.
Nas primeiras vezes, fui até as margens da cidade para tratar de tiroteio, brigas de gangue, violência, descaso, buracos, crateras, alagamentos... E há sempre um traço de sofrimento nos rostos curtidos. Enganamos-nos ao comparar: “São iguais mulheres bonitas. São invisíveis. Ninguém vê ou se importa se há vida inteligente por ali”. Já na região central ou com mero abastecimento adequado de água, luz, esgoto e coleta de lixo a face dos assaltados é de ofendidos e alheios a este mundo. No entanto quem tem culpa da dores e alegrias do mundo?! Heim?
Mas, o mais triste é ver as crianças vivendo e sobrevivendo no meio e do lixo. Para quem, como nós, não está largado a própria sorte. Respirar ali é sinônimo de passar mal, de ânsias, de lágrimas... Os menores agressivos feitos animais selvagens sem contato com a civilidade, sem carinho, sem qualquer afeto, vivendo no desamor, usados e abusados já estampam na testa, conforme a visão de muitos, a palavra “perdido”, “drogado” “aprendiz de criminoso”. Palavras cruéis de crianças mostrando os dentes e avançando nos carros ousados ao passar por onde não “lhes diz respeito”.
Vi esta realidade nos poucos lugares em que trabalhei e fotografei nesta minah apaixonada vida jornalística, depois voltei e volto pra casa sem esquecer mais daqueles rostos sofridos. Já no caminho penso um pouco como Carlos Heitor Cony: “E ninguém toma nenhuma providência!?”. Mas eu é que não vou desistir e fechar os olhos e esquecer. Vou insistir para que tomem - não cicuta ou o veneno do trágico amor de Romeu e Julieta, mas as providências.