quarta-feira, junho 04, 2014

Caminhada (miniconto) – por Rafael Belo



Regina caminhava e olhava para cima. Seus pés cheios de bolhas e calos já tinham passado qualquer definição de dor. Mas ela era forte. Suportava e caminhava. Obstinada. Olhava para cima. Orientava-se pela antena. Como sempre foi livre. Ela queria se vingar daquela antena transmissora. Todas as operadoras estavam lá e mesmo assim seu smartphone não tinha sinal nenhum. Se tivesse pensado bem não teria destruído o celular... Mas...

Ela não sabia por onda andava. Nem percebia estar perdida. Não percebeu, também, estar em um labirinto de ruas e quadras se entrelaçando em nós. Regina, então, parou. Se tivesse alguém perto e, como de costume, mexendo no esperto celular, além de dar a ela uma cabeçada das grandes, iria mais uma vez deixar cair o celular esperto. E claro, soltar aqueles palavrões reprimidos. Mas estava sozinha e ninguém via o que ela via.

Logo a frente. Havia uma pessoa caída. Na verdade, ela especulou com certeza,  só poderia ser um travesti. Ao ver dela, a onda de surras gratuitas e covardes não pararia mesmo quando houvesse um bom exemplo de justiça. Nada de olho por olho, mas cadeia e uma boa educação moral. Ela se aproximou. Ele estava assustado, mas deixou cair a expressão de pavor quando a viu estender a mão. Tirando os traços masculinos. Ele poderia ser um bela mulher. Seios fartos, cabelo ruivo bem cuidado e quase uma viola...

Não disseram nada por um tempo. Ele estava escorado em Regina, aceitando o milagre sem questionar. Ela perguntou apenas onde ele morava. – bem naquele canto onde me salvou dos meus pensamentos. E se for perguntar da família... Veja bem as marcas que encontrou em mim...  O celular dele funcionava... Regina ligou para uma ambulância e aos seus 40 anos virou uma mãe confidente, amiga de Regis de dia e de Rita à noite. E o sinal perdido segue por lá, Regina continua a caminhar.

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