sexta-feira, março 27, 2015

Perturbação (miniconto)


por Rafael Belo

Mais um ônibus quebrou naquela manhã de rodízio. Mais uma vez a correria. De um ônibus lotado para outro correndo para tentar se encaixar. Mário João era o único sem fones de ouvido procurando outra distração e isolamento, mas mesmo assim ouvia a música dos outros. Uma população espremida que logo não precisaria fingir surdez. Um som no início indecifrável ruía de algum lugar. Se até o “enfonados” ouviam imagina Mário João.

Sempre há formas de piorar um dia ruim... Pareciam raspar uma lixa em um quadro negro sendo fritado em óleo fervente. Todos acordaram, mas apesar de incomodados ninguém manifestou a visível indignação. Porém, riram com um doce sabor frio quando em mais uma freada brusca o sem noção foi arremessado pelo corredor do ônibus... Mas, o infernal ruído continuava queimando os ouvidos.

Mário João imaginou qual seria o caminho da verdade. Viu-se chutando o ruidoso incômodo. Pensou em chutar, quebrar apenas aquele celular e ser ovacionado pelo público obrigado a brincar daquele lego sem graça com assustadora trilha sonora. Afinal ele faria a lei ser cumprida e subiria às graças dos sofridos do busão, mas foi somente verbalmente grosseiro para o júbilo dos inativos. Perdeu a paciência...

Foi pelo caminho do meio assim que o ônibus seguiu acima do limite de velocidade, não queria tesouros. Agiu como um cão perturbado por horríveis sons agudos. Mordeu. Tinha raiva. Preferia o som do motor desregulado e entupido do coletivo abafando até os pensamentos a tudo isso ou aquilo. Depois disso, borboletas o cercaram e ele apenas apreciava silenciosamente o silêncio... Quem sabe poderia finalmente dormir, o caminho até o trabalho é sempre longo.

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