quarta-feira, dezembro 30, 2015

Deusa dos agradecimentos obrigatórios (miniconto)




Mais uma salva de palmas, reverências e com o corpo curvado – mesmo assim – o nariz seguia empinado. Os pensamentos, embora inebriados no momento, ainda eram egoístas, prepotentes, arrogantes de quem sempre merecia mais. Os olhos fechados se espremendo em cada respiração curta de momentânea satisfação. Mas, os olhos. Ah, aqueles olhos seriam vermelhos se os sentimentos tivessem cor.

Foi espetacular o espetáculo. Toda pompa e glória transmitida em mais um fim de ano, a bebedeira e aqueles showzinhos particulares que ninguém quer presenciar, mas acaba obrigado... Enfim, o único objetivo para Pietra Nature eram os aplausos, o reconhecimento, as palavras floreadas, recheadas de elogios, uma massagem diária no ego já inflado e alçador de voos. Qual outro motivo de ser atriz?

Não. Nesta noite já revirada, nesta transição marcada pela festa e pelo calendário o tempo seria diferente. Ela será forçada a parar de atuar. Esta noite ela deve revelar o desequilíbrio, a psicopatia... Nada de loucura... Ela planeja, calcula, elabora e tem total consciência de cada detalhe... Nem se quisesse os deixaria escapar. Ela é obcecada com a ideia de ser sempre ignorada por mais elevada que seja pelo público e pela crítica.

Eu a ouvi várias vezes para acreditar. Ah, como ela é boa, mas sei não saber quem ela é nem você nem ninguém. Sozinha no banheiro, provavelmente de frente a versão dela, ao reflexo no espelho de 2m por 2m, ela esbraveja coma inventora da razão, a deusa para quem todos devem orações, pedidos, agradecimentos e sacrifícios. Naquele banheiro os amigos dela não suportariam nem os pensamentos que ela revela.

Quando descobri queria acreditar ser mais um ensaio da minha mãe, mas raiva, o sentimento de injustiçada, desrespeitada.... Estes nunca dirigidos a ela estavam impregnados, envenenavam cada vogal, toda consoante daquela voz pontual que eu não tinha como dizer ser de outra pessoa. Todo dia o banheiro se fechava no mesmo horário com Pietra dentro, porém acaba agora.

Venham comigo! Vamos revelar... Todos somos assim: pedras atiradas em nós por nós mesmos. Espinhos e agulhas infiltrados delicadamente sob as nossas unhas diariamente... Uma construção inacabada de máscaras declarando: Cada roupa que vestia era uma fantasia. Ela mudava de comportamento, de sexo, de voz, de tom, de aparência... Por mais que acreditasse ser sozinha era uma legião quando projetava o olhar mortal sobre nossas costas frágeis, porém quando sorria era uma falange e até coro celeste era possível ouvir, mas vivia em dúvida e acabava multidão.


Todos pensam ser uma ilha convidando quem quer para entrar e vivemos lidando com uma contínua invasão esquecendo ser isto denominação de arquipélago com problemas de identidade e localização como toda sociedade, mas como minha mãe somos péssimos alunos quando se trata de nós mesmos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom! Parabéns!