sexta-feira, março 03, 2017

Agora eu (miniconto)



por Rafael Belo

Sou outro eu agora. Estou agora aqui. Posso dizer meu nome sem me incomodar, sem disfarçar ou perguntar o motivo. Erina Navi. Não há quem me afete além de mim mais. Este é meu terceiro país em três semanas. Minha preocupação é aprender novas línguas em troca de ensinar um pouco de tudo considerado meu aprendizado. Se você está lendo isso, esta mensagem se autodestruíra ao fim. Há um leitor de retina aí mesmo na câmera. Não copie para reprodução, por favor. Deixei quem eu fui para trás. Sou uma nova mulher. Sem preocupações, sem marcas, sem rugas, com um passado morto onde as lembranças são só lembranças.

Não tenho a intenção de ficar mais de sete dias em lugar nenhum. Também não vou digitar mais nada depois de hoje. Eventualmente, continuarei a escrever à mão. Sim, com lápis, papel e caneta. Tenho um estoque ainda acessível, mas não codificado em nada conectado ao mundo virtual. Já há um tempo eu vinha me desconectando das dependências fora de mim. Já não utilizava redes sociais nem respondia nada no whatsapp. Foi graduado e no fim me encontrei. Pelo menos um pouco mais. Minha alma queria conexões capazes de realizar a realidade. Por isso, eu sempre ligava quando via mensagens direcionadas a mim. Agora não existo onde vocês tanto vivem.

Não sei quantos anos serão necessários para eu conhecer todos os países do mundo. São mais de 200, apesar da lista de lá atrás, em 2017, registrar 193 e já com ausências. Estou aqui para confirmar as possibilidades em ti de ser o mundo, de Deus ser você e você ser Deus. Mas, precisamos nos dar conta da imagem diante dos espelhos. É necessário descobrir as palavras do silêncio, os dizeres do corpo, os clamores da alma... Onde aconteceu o seu desvio de si? Quando você parou de seguir o caminho feito para você sorrir, ser leve, ser realizado...? Aqui na realidade, não na imaginação. Sem as ilusões jogadas nos nossos olhos como óculos dentro da retina, nem lentes se parecem tanto com nossos olhos.


Eu me desviei há dez anos. Quase enlouqueci andando nos caminhos fora de mim, presa em versões minhas da infância emburrada... Hoje estou aqui. Sou outro eu sem deixar de ser eu mesma. Sou, de verdade, pela primeira vez consciente do me tornar. Ver tantas culturas diferentes me acolhendo, vai encolhendo um ego moldado para riquezas materiais sem sentido no abismo sem fundo onde ainda cavamos em nós. Esta busca sem fim de agradar, de se destacar, de ganhar ou ganhar, de sofrer para se elevar, de trabalhar para trabalhar, acabou. Escuto tantos silêncios antes calados ao meu redor. Tente escutar também. Não me procure.

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