sexta-feira, abril 03, 2009


Criança cruel e seus brinquedos

Por Rafael Belo

Senti-me adulto quando a infância tentou me derrubar. Era apenas mais um dia de sobrevivência na selva urbana nos devorando sem sabermos ao certo. Mas, uma súbita clarividência me afetava dias antes de me defender perante o tribunal de ninguém e colocar as palavras e as imagens nos devidos lugares. Fui absolvido. Mais que isso, a selva se tornou mais interessante como se eu fosse um mosquito vegetariano em toda parte.

Sugava imagens e sons sem zunir ou não estava ali para quem me visse. Silencioso e calado. Quase uma abelha com silenciador, já que estamos nos insetos e tive uma vontade incontrolável de polinizar. Como no Bee Movie a morte das abelhas significa o fim de tudo. A morte sem sentido, por uma decisão sem medir conseqüências a quantidade de afetados, leva a um suicídio coletivo inconsciente. Como se o ar fosse tocável.

A rasteira da infância não mexeu com o meu físico, mas meu psicológico gritava por revanche. Não havia reação, era continuar e melhorar a captação de sons e imagens com uma adaptação de ferroadas que não levassem minha vida. Em uma sociedade da mentira, há um monte de mentiras. Faltam adultos que saibam cair das árvores ou deixar de ser verdes. É uma selva falsa que pensa saber rugir e caçar solitariamente fazendo aliados duvidosos.

Sabia o que aconteceria daí por diante, aliás, a clarividência súbita já me “premonia” disso. Alguma retaliação deveria ser feita, mas era racional demais para permitir transparecer qualquer coisa e analisei palavra por palavra quando a selva me disse do ataque espreitado que tomei no mesmo dia em que era uma ave emplumada repetidora de reações alheias. Foi o derradeiro ultimato. Lembrei de dias antes quando estava vestido de outro.

O tribunal era escasso e só havia eu e o juiz. Um olhava nos olhos que desviavam e outro desviava dos olhos que olhavam. Houve um tremor intenso e insano dentro de quem olhava. Algo mudava no mundo e um envelhecimento centenário se formava nas olheiras. Passaram-se anos naqueles minutos derramados e acelerados em um coração passivo para quem não o via e tão ativo e insuportável de conter para quem enxergava que iria adiante formando novos continentes. O mundo é uma criança cruel e gozadora inconseqüente.

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