quinta-feira, março 31, 2011

O fim de Ninguém é o fim ou é contradição?

*( No calor o branco é frio como a neve interior daqueles que nunca mudaram de estação.... Captei na sala onde 'relaxo' após o almoço no serviço dia 31.03.2011)


Por Rafael Belo
Mais um dia a menos na vida arrastada de Ninguém Sem Sobrenome. Ninguém tinha acordado ao meio-dia e olhava atravessado da cama sua ausência de vontade passear sob um sol carioca-cuiabano em plena zona temperada. Deveria ser menos quente pensou, mas também deveria ter ido trabalhar todos os setes dias passados e repassados na bagunça da sua casa herdada. Quem se importa afinal? Ele estava ansioso para ser mandado embora ou ser preso ou até morto... Mas, não era assim que todos viviam... Mortos?!  Presos!? Escorraçados!? Basta ser um pouco atento para responder positivamente...

Como o mundo, as pessoas e as religiões ele era hipócrita, bom é hipócrita... Nunca trabalhou ou estudou, mas roubar, matar e estuprar era o mesmo de dormir, comer e suprir suas necessidades. Tudo contido em seu vasto conhecimento era sobrevivência. Não recorda de um rosto amigável na sua infância ou adolescência e uma mão estendida era para machucar. Suas cicatrizes da rua são seu orgulho e medalhas. Não entendeu e ainda está desconfiado desta casa herdada há oito dias... Ameaçaram aleijá-lo de várias maneiras se não assinasse aquele papel que inacreditavelmente continha ao seu nome – sim ele sabe ler.
 
Toda equipada. Assim era a casa de Ninguém. Tinha tudo Sem Sobrenome. Ninguém deveria ser dono de tudo mesmo, não só desta casa. Um sentimento estranho o invadiu no dia seguinte da ‘herança’ e fez barricadas em todas as portas e janelas do lugar e desde então voltou a não saber ‘o que fazer’. Olha para o teto e sua feito garrafa de água gelada no asfalto ao meio-dia. O lugar é completamente branco sem nenhuma cor diferente ou sujeira – agora há Ninguém. Não parece haver qualquer memória neste lugar nenhum. Mas, há um buraco do tamanho de um dedo no teto. Ninguém consegue parar de olhar...

Seu rosto inexpressivo está vazio nos sopros de um deserto esquecido. Suas mãos são chumbo acopladas a braços de aço enferrujado, seus pés são concretos terminando o prolongamento de pernas feitas de um bronze empobrecido. É tudo tão pesado que Ninguém parece ter levado uma surra daqueles de ficar mortos por minutos e depois voltar. Se conseguisse levantar um dedo sequer poderia ter menos um dia a mais na vida arrastada... Mas o pequeno buraco dedal mastiga sua alma lentamente. Sua mente sem referência entende bem mau o bem e mau bem o mal ou teria invocado alguma prece ou conjurado um maldição. Ao invés disso vê calado seu corpo ficar em um quarto de nenhum lugar enquanto o sol carioca-cuiabano continua ao meio-dia.

quarta-feira, março 23, 2011

Morte e vida nas esquinas


*( Em algum lugar alguém chora em demasia pela ausência de quem partiu na romaria das vidas idas e vindas na correnteza... Captei em um dia de chuva)
por Rafael Belo
Sem nome sem rosto sem voz... É como andar dentro de Vidas Secas de Graciliano Ramos ou em Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto, mas pior porque esta diante de nós o tempo todo. Está nos faróis fechados, nas calçadas, praças e em algum lugar coberto com esperanças de não serem expulsos. Tem cheiro de descaso e abandono, rosto comum, cobertor furado, rasgado, remendado ou um papelão. Está lá fora no frio, mas enganados estamos se fingimos estarem distantes. As pessoas comuns e repletas de histórias estão ali agarradas a fiapos de vida, mas repletas de raspas e restos da morte. Porque a vida é isso: sobrevivência.

Mesmo diante de tantas imagens emanando morte viramos o rosto, tampamos os olhos e os narizes pseudohumanos... Lá no calor matador, na desolação ao bel-prazer da escuridão. Não da dualidade da claridade, isso é coisa de quando a complexidade era sumariamente ignorada para a construção de maquetes humanas de ou é ou não é. Somos ambos e uma bagagem toda de história. Cada pessoa passando fome, morrendo de inanição e de carência é fruta da nossa hipocrisia porque no fim – no meio e no começo - todos somos vítimas e algozes, todos somos causa e consequência, todos somos escolhas...  Mas, de fato somos medrosos! Temos medo de olhar para um ‘morador’ de rua e sentirmos pena e sermos levados pelo impulso de ajudar... Somos covardes!

Envolvida está a morte como em tudo na vida... Vemos um reflexo de como as coisas podem dar errado, de como podemos ser simplesmente mais um no meio de uma multidão apática, apressada e de olho nas horas... E o mundo é um borrão. Não dá para dizer de quando as gerações são ‘malcriadas’, mas se não geramos este mundo, nós somos o borrão desta realidade kafkaniana onde somos completos retirantes Severinos ou um desnome qualquer, acordando cada dia como um gigante inseto diferente explorados pela exploração cultivada no nosso quintal, no nosso coração... Vivemos mentindo para nos entorpecer e não chorar diante da dor de vários mundos...

Mas há a morte e a vida não a tampa com o sol. São ‘Processos’ inacabados, são acusações inexistentes, são chifres demoníacos e confissões... Como em um filme a escuridão nos toma e tentamos permanecer gritando “eu existo”, mas no final tudo que não pertence ao corpo fica. Na calçada ficam as roupas, o cheiro, a lembrança, nossas justificativas e porquês constantes, momentos nos quais olhamos para cima e culpamos Deus ou olhamos para o nada e culpamos Lúcifer e fazemos total questão de esquecer o livre-arbítrio ao lado das fatalidades. Não somos personagens planos criados para um romance moralista, bom, somos humanos caramba...!   

sexta-feira, março 18, 2011

Tempo marcado

*( Te dou uma rosa híbrida, pois é do Amor que vem a Paz, te dou uma raridade não porque é rara uma rosa de duas cores, mas porque é do coração para brotar no seu Jardim... Captei no quintal da minha namorada)





Como antes de ir embora, vou embora uma hora antes de ir
tenho hora marcada com a estrada, mas para enfrentá-la
não para fugir

Já a hora cheia é vaga
pela madrugada inglória sem qualquer história para dormir
ficar e partir são apenas formas de reconhecer a ausência paga
só para existir

Existo independente do fato da minha presença física relativizar
a quantidade indiferente de escuridão e claridade a me fazer quem sou
às vezes não sei rir

Pensar mostra muito de quanto não estou aqui

Logo não é conclusão nem sinônimo de tempo curto
já no entendimento do meu pensamento, eu penso tudo e o passar é um vulto

de uma sombra vindo em minha direção, não tenho direção nenhuma agora

vivo de alguma vontade passageira a voltar depois de ir, como antes porque meu vazio é faminto não importa a marca da hora.

Rafael Belo (às 16h13, Campo Grande, 17 de março de 2011)*

quarta-feira, março 16, 2011

Quem sabe sou você e você sou eu

*( Olhando para o quintal , o jardim selvagem olha de volta para mim e até os espinhos são bonitos...Captei no meu quintal...)



por Rafael Belo
Minha mente canta em reprovação pela manhã rápida. O celular toca isolado e ignorado até perder a música. Esta era a música na mente... Distante de todo este acordar de mais uma semana. Por que tenho raiva dos meus erros repetidos? Aliás, por que não tenho?  Perder tempo... É. É por isso! Agora lembro... Enquanto o teto insiste em continuar a rodar, essas lembranças vagas vão virando esta minha memória de ontem até se perderem, olharem para um relógio antigo e desnecessário para decidir não se ‘atrasar’ hoje. Enquanto ainda não têm trânsito e a pressa enrola o desejo de ficar em casa, os motoristas estão pedestres.

Eu estou quarta-feira, não porque seja quarta-feira... Às vezes parecem os objetivos distantes e algo sem sentido transforma-se em rotina... Não é depressão é apenas um momento vazio se arrastando no incerto, mas só vejo o certo à minha frente e ele é tão enfadonho, sem ritmo, sem som, sem gosto... Interação é preciso viver não! Lá fora ainda chove e eu mofando aqui dentro neste corpo parado, catatônico diante das oportunidades. Mecanicamente me levanto para trabalhar e já sei a programação a fazer, todo dia o dia todo... A imagem refletida me olha tão irreconhecível ao meu olhar para ela. Não estou mais presente... Quero saber onde estou?!

Em algumas gotas desta inundação celeste quem sabe. Achava desconhecer o tédio... Na verdade ele é tudo que conheço. Meu suicídio diário resulta em quê, afinal?! Em mais mortes... Qual a diferença de matar a imperfeição da sociedade se ela é a imperfeição?! Apertar o gatilho de novo e de novo e de novo é o meu clichê desta dor surda em meu peito. Assim, simplesmente morro vazio sem alma só um exterminador barato... Sem fôlego para dar um basta ao mundo medíocre de um ser medíocre feito eu... Não importa ter de matar a escória da escória, sempre surge coisa pior...

Creio que o pior sou eu... Não pense na radiografia da minha consciência humana, eu não a possuo... Matar mostra a simples fragilidade da vida... Uma hora você está no celular e na outra não existe mais. Já tive de matar pessoas relativamente inocentes, mas matei porque viver ou morrer não tem tanta distância assim... É a mesma coisa... Como se morre e como se vive também são irrelevantes... Conta o meio de tudo isso e já que o inferno é aqui... Vou atrás de você com este sorrisinho imbecil e conflituoso na boca... Já tive minha conversa com muitos diabos pobres só de alma, mas sei da espreita do verdadeiro da Razão daquele a punir o pecador e a amá-lo pelo pecado por construir sua casa, estamos no território dele.  Aqui é o inferno, o resto é purgatório. Creio este ser meu último momento consciente, minha loucura já me toma. Adeus! Sou coisa e lugar nenhum... Quem sabe você!

quinta-feira, março 10, 2011

Mau Comportamento


*(Chuva traz os contrastes da vidas atrás dos olhos da nostalgia da renovação do descanso - captei dia 5, sábado de carnaval)
 
Chuva dolorida colore de vermelho o céu
e o céu da minha boca aguenta a dor de falar
e de calar a limpeza ensurdecedora do atrito da máquina
com os dentes sangrando a sátira da pancada no rosto do silêncio
salgado e amargo na boca desgostosa, mas doer mesmo só depois

Um eco maldito reverberando de uma surra inexistente
Nada aconteceu, nada foi dito, ninguém perdeu os dentes...
Mas os sisos já não existem mais, a boca foi violentada pelo pudor da ação
O juízo nem sequer nasce nem se arranca é um mito odontológico
Do vento demasiado, da chuva torrencial, do lógico da lógica do tempo, da briga por espaço  limitado,
pelo nosso mau comportamento.

Às 13h38 (Rafael Belo) 10 de março de 2010.