quarta-feira, setembro 19, 2012

Miniconto - As cinzas da fumaça


Por Rafael Belo
Aquela situação já não enxergava o limite ultrapassado há tempos. O nervosismo e a brutalidade das palavras tomaram uma forma ainda não encarnada antes em ninguém. Foi se transformando aos poucos naquela incontenção e transbordou dela feito obra pública mal estruturada com toda sua qualidade desviada para outros fins... Enfim, ela já não era ela. Ela já era... Seus sentimentos sem sintonia sintonizavam em outras línguas e não era nenhuma inspiração divina o motivo. Um porvir alcoólico desvirginaria aquele sangue não batizado.

Mas, batizar o sangue e marinar os órgãos passariam por um conservar interno só possível depois de juntar os disformes cacos da alma estilhaçada. Podia-se dizer então que era impossível. O álcool a aguardar ela era de uma concentração quase proibida. Até aquele ponto, ela nunca aceitou ingerir nada alcoólico. Sempre recusou - invariavelmente irritada - a oferta dos amigos. Eles a acusavam de não saber viver, especulavam alguma doença e insistiam irritantemente para se lubrificar do entorpe.

E sempre foi assim... Recentemente ela havia perdido todas as suas conquistas, belezas e - como não era Jó – negou sua situação ao máximo até não ter mais suas carências supridas por aqueles homens efêmeros e os massageadores de egos genitários colhidos em locais escolhidos a dedo. Ficou insustentável e julgou Deus por seus problemas. Logo invadia o primeiro bar furreco fechado cometendo dois atos em um só, nunca antes sequer pensados por ela: invadiu e roubou. Quando perdeu as contas não havia mais bebida alcoólica alguma. Seus pedaços estavam tão estilhaçados a ponto de não haver surpresa não ter morrido de coma alcoólico. Era o começo do fim da madrugada.

Nas primeiras horas solares, ela estava em pé, esbravejando. Não teve sucesso em promover seu atropelo. Não era porque os motoristas não queriam livra-se dela, mas porque queriam preservar seus veículos em bom estado. Como ficariam seus planos se houvesse alguma alteração na rota destinada? Indigente e em um mar etílico próprio, exalou mais forte aquele virgem odor para seu corpo, prostrou-se no meio da rua e esperou para sempre um atropelamento digno de sua situação... Chorava cinza e suava fumaça.

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