quarta-feira, outubro 31, 2012

Miniconto - Nunca antes...


Nunca antes...
por Rafael Belo
Ele olhava para o chuveiro na madrugada e deixava escorrer aquela água enfumaçada de tão quente mesmo com o botão no desligado. Com a água devedora do refrescar todo o período eleitoral ia pelo ralo e toda lembrança recente rodopiava junto. Aquele som de chuva encanada permitia o fluir das idéias e tudo havia acontecido com a descoberta política da internet como nunca antes na história deste país virtual... Mas aquele último banho de pensamentos seguiria de nada porque o amanhã já não existia. Agora ele havia terminado.

Mesmo sendo inodoro, o cheiro dos esgotos derreteram as telas de acesso à internet de dentro para fora. Se formos falar do início demoraria muitos livros para explicar os reveses a culminarem no baile de máscaras. Então, vamos editar. No Facebook chegou o convite para o evento e até as hastags do Twitter divulgavam a festa. Era uma reunião marcando extraordinariamente a mudança de local e data do fim do mundo. Nada de 21 de dezembro. Tudo aconteceria no dia 31 de outubro a partir do primeiro minuto na Gruta do Lago Azul em Bonito.

Havia gente de todo pedaço político do planeta escolhidos a dedo. As pessoas foram chegando e contaminando o ambiente. Cada degrau estava ocupado e a ocupação se estendia até em flutuação nas azuis águas. A maturidade ficara perdida em inscrições não vista na entrada da “caverna”. Nada conquistado, sentido, falado valia mais. Mas o mais estranho era o silêncio. Apenas sons, flashes e um tec tec tec. Todos haviam recebido os últimos Iphones criados e cada um tinha o contatos de todos ali selecionados. Lá fora havia choro, ranger de dentes e todo tipo de gritaria e sons incompreensíveis. Eram dos que propositalmente viram o convite, mas não foram selecionados.

Aquele autismo egoísta egocêntrico nunca antes havia estado em situação de coletivo. E lá fora, os excluídos também tinham smarthphones. Auxiliados por um “revoltado hacker” tiveram acesso ao selecionados. Mas nenhuma rede do mundo aguentaria tanta falsidade, tantas máscaras caídas, tanto desperdício de inteligência, tanto raciocínio montado, tanta ética em algum labirinto desconhecido, tanta falta de conteúdo, tanta moral na sarjeta das timelines quanto raciocínios ralos rareando... Então, antes do sol nascer ele abraçava os presentes, os ausentes e os excluídos. Nunca antes a rede mundial havia caído para não mais se conectar e o amanhã terminou por não conseguir se levantar.

segunda-feira, outubro 29, 2012

E terminou!

E terminou!
por Rafael Belo
Cada um oficialmente tem sua própria vida, mas nos tempos de monitoramento virtual em tempo real a conta se perde. Como se houvesse uma perda coletiva da noção do porvir e os esgotos da cidade derretessem com seu surpreendente odor – originário de nós - as formas distorcidas dos nossos bailes de máscaras diários. E como se não houvesse amanhã nos jogamos na defesa dos nossos empregos, dos nossos interesses, “ideais”como se fôssemos sem propósito, como se voltássemos no tempo onde nem queríamos ter maturidade, quanto mais responsabilidade. Por isso a pergunta incontida na boca é: E o amanhã terminou?

Para desgosto geral dos organizadores dos bailes de máscaras... Não. Terminaram as eleições, estes bailes e estas máscaras, mas ofensas, ataques e banalidades continuam nas timelines – e prints – nas páginas dos jornais, sites, depósitos dos canais abertos e os UFC’s confundidos com o Vale-Tudo - este último banido há tempos pelo dito do próprio nome... Tudo pela política, ou melhor, pelo pensamento individual de política de cada um online. E agora, passados dois turnos, sobrou o melhor: uma vida. Assim, nossos narizes vermelhos começam a ser revelados novamente...

Nesta hora o chão se abre e tudo volta para o esquecimento até daqui a dois anos quando votaremos novamente... Voltaremos nesta segunda-feira? Como costumamos fazer decerto, como se nada tivesse acontecido, como se uma amizade nada valesse, como se o baile continuasse, como se os jornais não escolhessem lados e os defendessem para atacar os lados opostos... Estes sãos os pontos onde a inversão de valores não só está em negrito e itálico como possuem imagens e sons salientes. Nestes particulares nunca é game over, os controles nunca são largados e a fase final só chega no último suspiro.

Por isso - e muito mais, a ignorância vence com cada um defendendo o seu e escondendo o próprio umbigo e viva a democracia e salve a liberdade, ou seria salve-se quem puder, ou então manda quem pode obedece quem tem juízo, enfim qualquer um destes ditados populares morais... Só vamos encontrar a moral antes, pois quem sabe nas proximidades esteja a tal da ética. Porque hoje, como nunca antes na história das eleições, o Vale-Tudo Eleitoral faz sua marca na terra do Facebook e a inteligência mais uma vez mostra não ser ter sacadas, falar o decorado e sim saber a hora de falar de calar e que para ambos é preciso ter conteúdo para raciocinar!

sexta-feira, outubro 26, 2012

Encalço descalço


Encalço descalço



Espasmos elétricos arrepiam o ar e a pele peleja tremula
a fricção da pragmática dos choques acumulados na areia
clareia um outro mundo encoberto de uma branca flâmula

flamejando coração e alma gerados e transformados em energia na teia
cadeia aberta em grades imaginárias correndo corrente em súmula
eletricidade estática a ressuscitar os ares que rodeia

até o vento despertar as imagens das mensagens da fórmula
formulam um rio de planos no abrir dos olhos e no leito ateia

o olhar de volta para o olhado em estranhamento
sem avesso, sem calçado, descalço no encalço
de sua silenciosa multidão.

(Às 20h06, quinta-feira, 25 de outubro de 2012, Rafael Belo)

quarta-feira, outubro 24, 2012

Miniconto - Leito de areia

Miniconto - Leito de areia
por Rafael Belo

Quando pisou no leito daquele rio pela primeira vez tudo parecia normal. Mas, ela não sabia estar sobre uma falsa margem. Um bunker de areia formado na última cheia e desfeito em seguida. Isso sempre acontecia. Depois de uma torrencial chuva tirando toda a visibilidade da estrada ela chegou a Anastácio/Aquidauana. A tempestade implacável circulou durante as quatros horas gastas para chegar ao destino de seu feriadão. Ela ainda não sabia da história do leito de areia e como apreciou a solidão daquele lugar, lá voltou.

Adormeceu com o calor intenso e a pescaria frustrada. Ainda esperava se conhecer, finalmente... Olhou em volta e nada reconheceu. Não havia trilha no matagal pelo qual atravessou para ali chegar. Levantou com dificuldade pelo chão incerto e nem um pouco plano. Desequilibrou e rolou sem direção ou distância. Percebeu assim não estar no mesmo lugar e mais... Estava em movimento... E havia outro porém, seu espaço estava diminuindo e nas próximas horas acabaria sem espaço algum. Seu estranhamento consigo ficaria em segundo plano.

Aquela areia toda isolava a energia acumulada naquele corpo e era frenética a mistura dos pensamentos e sentimentos. Seu horizonte se aproximava e ao mesmo tempo as águas. A areia movediça se formava sob os pés e a sugava. Com todos os pêlos arrepiados, a eletricidade estática, formada de sua inação, fazia raios brancos e azuis estralarem... O impacto dos choques solidificava a areia antes isolante e a ilha arenosa aos poucos se tornava vidro. Foi assim que o leito de areia foi se tornando leito de vidro. Uma mudança mineral...

Cada grão de areia a receber seus raios do cúmulo da eletricidade acumulada, agora era a materialização de seus pensamentos, a escultura de seus sentimentos e toda aquela arte vítrea reluzia atraindo às margens tudo quanto é gente gritando e gesticulando embasbacadas. Os grãos de areia, ainda não molhados, se espalhavam ao redor dela com o vento a levar o antigo leito adiante. Uma redoma era formada envolta do corpo dela e ela nada ouvia e só via distorções. Assim, o leito antes arenoso agora era vidro. Uma arte ambulante. Sobre as águas chegava a ser transparente e invisível aos olhos desatentos... Mas olhares mais atentos viam a maioria dos planos dela e da imagem em si e o leito seguia pelo rio.

segunda-feira, outubro 22, 2012

Multidões silenciosas


Multidões silenciosas
por Rafael Belo
Sabe quando a eletricidade estática vira um gerador em seu corpo e os estralos dos choques dão impactos constantes em qualquer pessoa e metal tocado? Você sabe... Há algo a ser mudado. Há um sentimento silencioso se manifestando fisicamente. Há um impulso insistente retumbando pelo corpo até incomodar a mente. E somos diversificações de semblantes, e somos concentrações de energia. Esta energia acumulada precisa ser liberada, ser direcionada... É hora de abraçar mais, apertar mais mãos e principalmente andar descalço para ser hábito.

Por os pés no chão nos coloca em contato com o mundo e nos faz sentir a vida conectada. São multidões silenciosas mal acomodadas dentro de nós e não é só isso... Você não está sozinho. Basta ver a acomodação encalhada também na praia deserta de outrem. Há alimento em abundância, há água potável, há toda a sobrevivência e ponto. Nada mais. Mas é o suficiente para a vida, para todas as possibilidades e obstáculos nos nossos caminhos? Não é preciso responder o óbvio. Só é preciso sentir o vento soprar diferente, sussurrar um rumo desejado por nós interiormente...

Abrir os olhos não é só ver o primeiro plano da imagem vista. Há muitos planos nesta imagem, há ângulos demais para à primeira vista tudo ser enxergado. Mesmo porque a totalidade não nós é permitida, pelo menos não sozinhos. Existem influências e tendências no caminho de cada um de nós e são nós absorvidos de forma a somente nossa individualidade poder atar e desatar. Esta é a razão pela qual quando a compatibilidade de uma causa passa de 50% a adesão chega a ser avassaladora e, portanto, não é inexplicável (vale também para a amizade e talvez para tudo na vida).

Inexplicável poderia ser não haver o estranhamento de si em alguns períodos, pelo simples fato da imposição publicitária imagética ser tão forte por toda parte. Mas quando o incômodo começa, a mutação de gerador e transformador no nosso coração e cérebro uma hora ou outra nos consume. Somos consumidos. Não pelo mundo, pelo acaso, pelo óbvio... Por nós mesmo. E somos uma multidão silenciosa reprimindo o desejo de andar descalço e nossa energia se alimenta de nós, não ao avesso.

sexta-feira, outubro 19, 2012

Arauto das águas


Arauto das águas


A chuva escorria pelo rosto da noite
e chovia pelos ruas vazias feitos filetes de rios
cruzando a pororoca da impermeabilidade do asfalto

as águas trovejavam em um crescente posto em açoite
no descanso do silêncio das almas aladas presas aos corpos por fortes fios
 oferecendo o prolongar da correnteza na previsibilidade do arauto

o som vinha arrastando gente cansada de cansar e aos poucos foi-se
com chuva calorosa repentina rasgando o rosto da noite com brios

estralando no pavimento quente no ritmo cadente da preparação de um salto

a cantar seu canto em pranto do alto dos cios das águas descansadas... No fio da foice.

(Às 22h23, quinta-feira, 18 de outubro de 2012, Rafael Belo)

quarta-feira, outubro 17, 2012

Miniconto - Limites opostos



Miniconto - Limites opostos
por Rafael Belo
O trabalho havia chegado ao limite. Voltar ao antigo serviço não era mais possível. A exaustão já baqueava momentos de apagões inexplicáveis em meio a conversas animadas, no término de um trabalho complicado... Seu raciocínio rareava. Começou a não acompanhar mais o limiar das discussões, pescava ao encostar ou sentir qualquer calor próximo... Um dia depois do outro todos os sintomas intensificavam-se e sua memória esvaia-se. Primeiro foram as da infância e de repente já não lembrava o início da frase a pouco começada a ser dita... Daí para o colapso foi um pensamento.

Quando acordou parecia ser uma página em branco renascida. Parecia... Ter sido automatizada todos os meses seguintes ao colapso. Seu coma durou poucos dias, mas sentia estar despertando dele agora após um festival de cinema mudo e sem imagem. Estava em repouso forçado. Não resistiu ao duplo conflito da mente resistente e o corpo acumulado de esforço... Após tombar em plenos altos da Avenida Afonso Pena, em dia de show no Parque das Nações Indígenas, demorou para a multidão curtindo mais um show perceber aquele corpo desacordando desprovido de qualquer sensibilidade... Mas, isso já era passado...

Ter a percepção do próprio corpo por meio do tato ajudava. Tateando a pele e suas cicatrizes esquecidas reativava vagarosamente as lembranças. Lembrava de muita coisa principalmente da solidão causada pelos amigos de ocasião. Não que estes não tentassem permanecer com a amizade, mas o trabalho era seu único foco, então, seguia sem ninguém realmente o amparar e o ouvir. Sua família já jazia e era a última pessoa com os genes desta genealogia em extinção. Quando sentiu o molhar assustou com o soluçar balançante de seu corpo.

Não chorava um Mar Morto pelas lembranças. Todo o pranto soluçante – atração dos médicos e enfermeiros de plantão – era porque seu trabalho sem fim se transformou em um descanso prolongado. Primeiro precisava recordar seu nome... Mas, forçado a tomar um tranquilizante cavalar pelo regimento branco local, apagou novamente... No dia seguinte despertou pronto para ativar sua memória e se preparar para fugir para o mundo conhecido. Queria voltar a querida exaustão diária.

segunda-feira, outubro 15, 2012

Descanso prolongado


Descanso prolongado
por Rafael Belo
Nas ruas não há descanso. No trabalho também – pelo menos não durante o expediente, mas descansar é preciso. Não ao ponto da preguiça, dos pecados dos bocejos constantes e o lacrimejar inevitável... É preciso para o corpo funcionar como deve e a mente estar tinindo como deveria. Conhecer novos lugares não é regra. Regra é poder se afastar do ambiente de trabalho, de vivência comum... Dificilmente um fim de semana é o suficiente. Para sanar nosso déficit com corpo e mente é preciso prolongar. Parar, respirar fundo e se preparar para continuar é tão necessário quanto à correria diária dos bits, bytes e touch screen.

Estamos tão conectados a ponta dos dedos, ao falar – de longe – sozinhos, a deixarmos de usar nossa educação. Sair às ruas isolados ao celular sem parar de falar, passar por pessoas e fazer compras, ignorando tudo isso, é um constante ato cansativo de isolada solidão. Como não cansar de tentar se ocupar o tempo todo, de misturar resoluções na mente de pensar no adiante, de se esforçar a não fazer nada...? As vistas já vão cansadas e o horizonte treme diante dos cochilos acordados de quem acha ter de continuar sem parar.

Sem descanso o seu infinito se limita a visões constantes do chão. Sem descanso o corpo não funciona direito, as barreiras de proteção se rompem, ou simplesmente enfraquecem, e nós adoecemos. A mente oscila, as frases não se formam, o raciocínio patina e nós caímos. O pior da queda é se levantar sem saber por que caímos, sem reconhecer o tempo para cada feito e desfeito das nossas pedras empilhadas, nada encaixa.

Como construir sem montar nosso quebra-cabeça, sem formar a mera imagem do presente? Um descanso prolongado supre os fins de semana de descanso in loco quando é possível ter o fim de semana. Toda máquina precisa de manutenção. As feitas por Deus, deuses e homens. Estar parcialmente montado é estar parcialmente desmontado. Pode ser verdade ter tempo de descansar quando nosso Tempo acabar, mas como estará nossa consciência se não sabemos o tempo no qual estamos agora?

sexta-feira, outubro 12, 2012

In completude


foto original sem modificações
In completude

Despedaçados pedaços rachados na estatela do chão
na emoção esvaziada de presença ainda em queda
ausência morosa na cela sem dolo, mas dolorosa de antemão

não no corpo ainda anestesiado de solidão... de uma era

sim de pedaços partidos da entrega a qualquer situação
direto ao coração guardado no fundo da alma, velada a vela

da incompletude dos degraus em toda ação esquartejada
pelos invisíveis olhos, invisível olhar

ninguém estava lá, nem você em grau projetada
não se entregou a nada, nem a si  nem ao estar.

(Às 15h24, 10 de outubro de 2012, quarta-feira, Rafael Belo)

quarta-feira, outubro 10, 2012

Miniconto - De grau por degrau

De grau por degrau
por Rafael Belo
Estava no chão. Estatelado. A queda não foi dolorosa, foi anestésica. Da primeira vez a desistir até agora foi um sopro. Tudo tão rápido. Desistiu de sonhar, desistiu de dar opinião, desistiu de tentar... Então, rolou do último degrau sem mais nem menos após decidir desistir. Entregou-se. Era noite quando tropeçou no próprio pé. Pisou em falso e o pé esquerdo bateu no direito. Rolou e a medida dos degraus contou cada um ao som de seus próprios ossos se quebrando em todo baque no concreto. Pelas contas dele foram 500 degraus...

A temperatura de seu corpo variava de grau em grau. As horas passaram diversas vezes por minuto e quando percebeu estar no meio da escadaria os borrões do céu já iam clareando, a madrugada passava... Todo seu ciclo de desistência, da entrega dos pontos era uma sequência em flashes da memória como se estas fossem a causa daquela queda final. Deveria estar sentindo toda a dor inaudita, indizível e merecida por sua covardia para si mesmo. Mas a anestesia impossível o impedia de se perder na dor e só pensava em suas entregas.

Já vinha a metade da manhã e seu corpo seguia estendido no chão. Não era mais um... Deveria estar urrando com as dores do horror do inferno, deveria ter sido morte instantânea, mas não... Estava lá com tamanho sofrimento por cada sonho supostamente apagado, por cada mudança não realizada, por todo silêncio maltratado, por toda palavra subserviente... Este era o verdadeiro sofrimento. Não importava não conseguir mover nem os olhos, ele ainda enxergava...  Talvez este fosse o dom mais desperdiçado, mais ainda a não raciocinar: a visão.

Ele não via ninguém, ninguém o via. Era uma cordialidade de invisíveis. Ninguém estava lá. Eram pedaços e pela primeira vez em sua última situação ele reconhecia. Começou a perceber as dores do corpo e quando seu grito engruvinhado de sangue jorrou sentiu-se virgem em seu corpo, estava presente, estava em outro tipo de entrega, estava entregue ao presente. Revirou os olhos e não havia mais a luz da manhã. Dezenas de pessoas o cercavam e um som estridente se repetida acima de todas as vozes o questionando: está tudo bem você? Onde não dói?

segunda-feira, outubro 08, 2012

Entrega


Entrega
Atenção imagem não modificada
Por Rafael Belo
Este passo ausente no ar entre um lado e outro de uma ponte quebrada provoca reações adversas e contraditórias a nós humanos. Maravilhosos ápices e abismos da capacidade de ter vários sentimentos ao mesmo tempo. Arrebatado e abatidos. Felizes e entristecidos. Os olhos podem estar lacrimejando, a cabeça baixa, mas a certeza de estar no caminho certo enche o coração de uma alegria avessa a todo o sentimento carregado no corpo. Todo este nós se potencializa quando há a entrega. Mas a oposição deste verbo confunde muitas mentes pseudo-sãs.

Entregar costuma vir a ser desistir mais a estar por inteiro na feitura das ações. Começa por entregar a personalidade a moldes midiáticos, segue por seguir às cegas qualquer tendência e fica em uma conclusão depressiva de ciclos estéticos e financeiros a terminar em uma esquina para começar na próxima. É um entregar a vida a dois pesos e duas medidas diante da balança manipulada pendendo para o benefício único. Aí neste cair constante mora a liquidez e inversões de valores, onde quem vive o avesso é o coitado.

Acreditar no seu fazer diário pode ser mais recompensador a necessidade financeira em si. Afinal, são necessidades imateriais o alimento da alma, esta a nos fazer brilhar os olhos e acender os sorrisos. Crer apesar dos erros, das perdas, das enganações, das traições, dos desmerecimentos, das desconfianças... Apesar de tudo há o amanhã. Há um amanhecer pronto para pintar um novo dia neste quadro chamado nós. Mesmo com o medo da dor de dar errado. Mas quem foi que disse ser necessário sempre acertar? No fundo sabemos não haver acertos sem erros. Ações provocam reações, mesmo se forem silenciosas.

Nossa responsabilidade com a nossa fé, com nossos iguais, com quem amamos fica perdida se não assumimos a postura pregada por nós. Porque sim temos sentimentos contraditórios, mas está aí a razão, esta a nos fazer animais racionais para não contradizermos nossas falas e ações. Esta a permitir uma análise para tomarmos uma decisão. E esta a nos levar também a entrega. Completude em cada ação vale muito. Vale além de papéis, de moedas, de plásticos, de tecidos, de borracha... Ser pedaços espalhados acaba por ser remendos de você. Mas onde você está? Por isso, prefiro me entregar.


sexta-feira, outubro 05, 2012

Acordar


Acordar

Dia dorme em teus olhos
e dormes tu, sem acordar
todo mundo adormecido na Luz deste teu Olhar

Um movimento, um novo tempo
um revirar das pálpebras de um sonho limpo

lindo sentimento dormindo bem lá no fundo
ao redor da noite, escuro com estrelas apagadas
e o sono parece querer varar a madrugada

da varanda dos olhos algo desperta
a vista brilha, alerta, com todas as cores cintilantes do esperar
bem diante do abrir dos olhos onde começa o amanhecer e a escuridão acaba

(às 22h07, quinta-feira, 4 de outubro de 2012, Rafael Belo)

quarta-feira, outubro 03, 2012

Miniconto - Sol do Amanhecer

por Rafael Belo

Sentada ela chorava. Nem ela ainda tinha se atentado ao motivo a explodir de sua rasgada alma. Era como se... Se misturasse cada tom de alaranjado pintado lentamente no céu se pondo no sol. Este posto há tempos, dando espaço para a noite e ela chorava. Mas, o pranto derramou-se depois de uma voz constante e profunda ecoar como consciência. Conforme raciocinava sentia um imenso peso oscilar em si.  A voz afirmava: “O único coração inteiro é o coração partido”.  Ela sabia ter ouvido isso de algum filme...

Não fazia sentido ser inteiro e partido, ainda mais porque ela estava sozinha há alguns anos. Ele pensou... E a lua já tinha passado da fase de cheia, mas mesmo assim preenchia o meio da noite. Seu pensamento já chacoalhava por entre as árvores passeando pela quantidade de religiões com o mesmo objetivo e se perguntou por quê A resposta estava ali, guiada pelo vento. Se há tantas árvores diferentes em busca do mesmo objetivo - o Sol – porque haveria de ter uma religião?Cada árvore tem sua necessidade e suas raízes, mesmo o Sol sendo um só.

Nos olhos dela o sol tinha se posto e sua visão estava alaranjada com todos seus tons. Continuar sendo quem era exigia todo o desgaste de manter uma mentira vista por todos. Deitar neste egoísmo já não seria mais confortável. Decidiu não dormir mais em muitas camas e provocar dor em quem for. Não iria mais deixar de se importar. Sua vontade não era mais satisfazer seus próprios desejos. Esta insaciedade não era alimento nenhum, era jogar álcool no incêndio do mundo.

Precisava saciar... Algo mais profundo em si... O vento foi ficando mais forte e as árvores chacoalhavam uma nova harmonia, uma nova música... Um arranjo sonoro gradual a soprar aquele oscilante peso. Mais ao horizonte, novas cores chegavam direto daqueles olhos. Os mesmos em um pranto sem fim já não mais de uma descabida dor desnomeada. Era agora um choro jubiloso. Vinha o amanhecer direto do olhar com novos tons de cores. Ela se levantou e caminhou para cantar junto ás árvores. Foi abrindo os braços e já abraçando um novo tempo a ser uma conexão com a plenitude. As lágrimas iriam cessar.

segunda-feira, outubro 01, 2012

Misturados aos tons alaranjados do pôr-do-sol


Ter fé. Vendo o brilho natural nos olhos das pessoas percebi a vontade de ter em quem acreditar. Ávidas por atenção e por alguém do qual seja possível tocar, conversar e ouvir... Imitar até. Aquela ânsia de estar próximo, esta carência de exemplos a espalhar a desconfiança. Mas, não é uma desconfiança qualquer é um desconfiar confiando com um quê de “e se...” Há uma necessidade latente de completar este espaço tão emaranhado de teias.

Por mais divino ser o humano, há este físico sensorial aflito por algo além da mesmice, existe um sorriso escondido atrás do brilho dos dentes incontidos... Está a carne querendo um semelhante nas falhas, este também sendo divino, este ser de carne e alma no espelho e por onde haja um pensamento. Este deve ser o motivo de tanta contradição, tanto desequilíbrio, tanta expectativa invadindo já fora da pele e da mente incapazes de conter já tanto sentimento exalando...

Então, falar do nosso outro lado, nossos silenciosos pensamentos, nossos ardilosos sentimentos não é mudar é revelar realmente quem é você e quem sou eu. Lá está o medo de ser descoberto, de perder a cobertura do errado, de tentar peneirar toda a velocidade da luz dos raios solares, da própria percepção dos limites entre o poder e a lei. Do seu meio e o da cidade, do meio dos outros e do público. O particular e o público se misturam na navalha viciosa das mídias sociais.

Ficar onde está é como dizer não ter nada mais a ser feito, a vida acabou. É isso mesmo?Os sonhos chegaram ao fim? As conquistas cessaram? Podemos, então, nos misturar aos inúmeros tons alaranjados do sol e nos despedir desta insossa vida planejadíssima por nós, tão inteligentes a ponto de saber a hora de dar um basta, certo? É... Desistir sem tentar o suficiente é bem renovador, é exatamente a forma de mudarmos aqueles detalhes incômodos do qual tanto reclamamos. Estamos a nos pôr?