sábado, agosto 31, 2013

Não é de uma hora para outra (miniconto)

Não é de uma hora para outra (miniconto)
por Rafael Belo

Estava olhando para o céu limpo, cheio de estrelas que pareciam brilhar mais de onde estava. Longe da cidade, as únicas luzes vinham das estrelas. Nem a lua aparecia. Mas, na verdade o universo estranhamente olhava de volta. Como um chamado, todo o espaço o fazia se sentir observado. Algo dizia a ele que era vigiado por aquela imensidão sem fim. Nada de perseguição, eram palavras. Ele as via se formar na mente, embaralhadas. Eram rastros de significados.

Ele sempre se sentiu assim, porém o céu o chamava com mais força. Demorou para compreender que este brilho que o cegava como um incêndio intenso e abrasador não vinha da sua mente rápida e de atropelos... Vinha... Vinha de outro lugar. Nunca se preocupou em olhar para cima. Conhecia prédios e edifícios pela metade, meias árvores - se é que existe algo assim - e assim por diante. Não pensem que isso o deixava infeliz ou no prejuízo, pelo contrário. Ter resposta para tudo, ter cada coisa limitada pelo próprio conhecimento, ou falta de, o fazia feliz.

Não é de uma hora para outra. Aliás, nada acontece de repente. Mas, para não cair na besteira de assim pensar e bradar aos quatro cantos é preciso de um empurrãozinho. Neste caso um belo tropeção e aquele estabaco no chão. Estabacado e desiludido. Ele estava lá naquela visão panorâmica, escura embaixo e em cima, quando deu por si, havia dado uma volta no ar e caído com tudo sobre as costas. Sem ar e dolorido permaneceu na posição por quase uma hora completa. Deixou seus olhos passearam por onde podiam e, finalmente, admitiu aquela confirmação de vigília.

No entanto, era mais. Era um encontro. Seu universo definitivamente parava de chamar e se encontrava naquele olhar inocente e estrelado. Além de qualquer saber ele sentia. Sua alma se acendia com uma chama interminável e assim como o universo se via nos seus olhos ele se via no reflexo do universo. Eram continuação um do outro. Não queria se levantar, mãos fez. Se afastou da cidade e do alto do morro cercando a cidade, não olhou para baixo se deitou na grama molhada e se olhou por brilhos. Não estavam só chamando, todos os rastros de estrelas que já não estavam mais vinham de tudo, mas principalmente de sua própria alma.

quinta-feira, agosto 29, 2013

Rastros

Rastros


Aquele amarelo-ovo variando para ouro ficou rosado no frio
e quando num arrepio era noite com o povo olhando para cima

no clima de festa do tardio inverno, era um inferno gelado
só se enxergava uma massa colorida, mas atrás dela havia mais

um reflexo de todo o universo nos diversos olhares
reunidos com um brilho intenso demais

dos olhos do universo, a Luz própria de um verso cintilava

extensão de tantos mundos enrolados

distante era uma só reunião 

de um lado estrelas novas, do outro rastros.

(às 19h19, Rafael Belo, quarta-feira, 28 de agosto de 2013)

terça-feira, agosto 27, 2013

Mesmo depois que se vão

Mesmo depois que se vão
por Rafael Belo

Se de repente a temperatura varia de 12 graus a 3 graus sem falar na sensação térmica e os fortes ventos gelados em pleno feriado, esperamos que pouca gente apareça em um evento público à céu aberto. Mas, nossa baixa expectativa dificilmente corresponde ao nosso desejo e subitamente milhares de pessoas estão reunidas. É bonito ver tantas pessoas dispostas a estar onde querem pela única vontade de se reunir por um objetivo. Não importa o quanto tenham que andar durante horas para se sentirem bem e entre iguais e, mais, se sentirem aceitos.

Ah, se sentir aceito e mover uma multidão como um coração de fé, aquece até o vento cortante deixando vermelhos nossos rostos. Mas estamos ali e aqui no meio de tudo para ouvir, seguir e avançar até liderar a própria multidão, nem que esta seja do reconhecimento do mutirão de sentimentos se organizando dentro de nós, encontrando nossa voz e ajudando outros a encontrar a própria fala. E se conter em meio de tantos é o mesmo que tentar represar o rio de uma emoção até então escondida. No meio de tantos rostos anônimos nós reconhecemos e sorrimos porque encontramos respeito.

Respeitar o espaço, o tempo e a pessoa as reúne e reforça cada vez mais o desejo de estar junto e não há clima, temperatura ou mentiras que façam uma manifestação espontânea se acabar, se dispersar por qualquer nuvem escura que esconda o céu e suas estrelas, porque sabemos que atrás disso tudo o céu continua lá. Toda base deste firmamento brilha e se move para o infinito contínuo do nascer do universo e se olharmos bem de perto, de repente descobriremos a semelhança entre nossos olhos e o reflexo deste nosso olhar para cima para além da noite.

Para isso precisamos entrar nesta multidão e deixar nossos olhos entrarem no olhar do próximo, se permitir ser um bem cuidado corpo para uma bem cuidada mente para uma alma iluminada, sendo Luz e sendo imperfeito, aceito e esta multidão que caminha em nós e pelas ruas firmadas pelo firmamento e pela afirmação do respeito. Aprendendo a humildade ao olhar direito para o outro, para imensidão ao horizonte e pela extensão do universo, nossa extensão, nossa reação ao brilho das estrelas que continuam brilhando mesmo depois que se vão.

sábado, agosto 24, 2013

Sonho seco (miniconto)


Sonho seco (miniconto)
por Rafael Belo

O vento desfez o laço. Atado fraco e pendurado no varal. Foi feito sem vontade, sem compromisso, sem qualquer conhecimento de formas geométricas ou a própria mãe matemática. Aos poucos o vento ventou mais forte e foi aumentando de intensidade. Até o laço virar fita e voar do varal. Este era o fim do sonho dele. acordou e realmente ventos fortes tentavam entrar pela janela. Quando conseguiram, tudo voou no seu quarto e assobiava pelos cantos agudo e voluntarioso. Tal invasão trouxe a lembrança todo o resto do sonho.

Ainda meio adormecido, tentava se manter acordado sentado na cama. Para variar, o sonho fora tão real, que ele ainda sentia os acontecimentos. Na porta sonhada, a mesma da entrada da casa real, havia um corpo infantil pálido, cinza, esbranquiçando com pequenos espasmos. Parecia morto, mas ele sabia estar vivo e uma voz sem rosto afirmava o mesmo. Vagarosamente foi reconhecendo a si. Só, então, reparou nos laços que trazia nas mãos. Fora das lembranças seus olhos brilhavam como se reconhecessem o significado de cada um.

Significavam um rosto, uma marca, uma cicatriz, um pedaço do seu coração partilhado, não partido, significava um amigo deixado de lado, distante, por decisões vãs e pouco pensadas, significava um adulto vazio e raso picado por dentro. As picadas queimavam, coçavam, se debatiam e vinham padronizadas neste sonho seco. Doía. Dava medo. Mas ele precisava tirar essas algemas onde ele mesmo se deu voz de prisão, ou seria de solidão. Sua pele começou a se mexer. Pareciam querer sair a veias. Mas, não.

Sua criança secava. Como se aquelas sangue-sugas que finalmente brotavam de dentro de si o bebessem e saboreassem aquela morte anunciada. Como a morte há tempos não é o fim, ele acordou pela segunda vez. Seu nariz escorria, seus olhos jorravam algum tipo de redenção e, como se evaporasse, sua pele fervia. Era uma sauna viva. Vivo, podia ressuscitar diariamente. Podia ressuscitar sua criança e parar de onde parou com seus amigos. Seus sonhos voltariam a ser regados, pois ninguém sonha sozinho.

quinta-feira, agosto 22, 2013

Desmembro

Desmembro


No silêncio do pensamento até a mente se calou,
por um eterno momento todos os sons e vozes cessaram,
os amigos se desalgemaram e tudo que era escuro se apagou

no doido instante doído, a pulsação voltou livre e o coração se acalmou

de olhos fechados até então, se abriram e nada era mais casual

nem menos, ou qualquer conta que aponta igual exatidão

era tudo verdadeiro até o ciúme provar que não,
até nos desmembrarmos em ilusões desimportantes

e a cabeça independente ser tão mão quanto coração e alma
no semblante do impossível passando o tempo nas linhas da palma
com a amizade brotando na estante.

(Rafael Belo, às 18h26, quarta-feira, 21 de agosto de 2013)

terça-feira, agosto 20, 2013

Contrato de fidelidade

Contrato de fidelidade
por Rafael Belo

Quem nunca teve obstáculos de elite para mudar de planos. Tim, Oi, Vivo Claro, Net, JET, GVT e por aí vai. De acordo com o Procon, apesar de tanta propaganda apenas a Oi não tem contrato de fidelidade, o restante luta até na Justiça pelo direito de manter a coleira empresarial em nós. Há momentos que até o odiado telemarketing revela os falsos atrativos para atrair clientes. Nosso plano de acesso as redes virtuais é Oi por comodismo etecetera e tal, mas nunca pagamos o valor acordado, então em um corte desavisado descobrirmos que tínhamos uma conta de mais de trinta reais para telefone, detalhe, não discriminada nas faturas. Por isso, pagávamos cerca de cem reais por uma conta que não deveria passar de setenta. Fomos "alertados" pelo telemarketing...

Mas isso é, infelizmente, historiazinha comum. Porém, a tal da portabilidade ainda esbarra na fidelização, o tal contrato de fidelidade. A Net, por exemplo, era o plano dos meus pais. Tudo lindo, maravilhoso, salve salve, até aparecer a vontade de cancelar. Reclama daqui, reclama de lá, alega de lá, comprova daqui, queriam cobrar uma multa de fidelização. Enrolaram. Apareceu o Procon. Desenrolaram e liberaram tudo em menos de 24 horas. "Tudo bem" este é o campo de lá, mas e o campo de cá. A exigência da amizade fidelizada? A padronização de comportamento exclusivo?

Vai dizer que nosso ciúme, egoísmo, cobiça, não cobra atos de amigos que gostaríamos que fizessem, aliás, que faríamos. Estas nossas exigências vão além da multa por recisão. Queremos presença, presente, apoio, ouvidos, ombros, participação... A regra é clara. Peraí! Regra?! Desde quando existem regras na amizade que não sejam os entendimentos morais e éticos em evolução ( ou em desuso?) por aí? A amizade é a LIBERDADE de escolhemos e sermos escolhidos um/por um outro para fazer parte de nossa vida. E os limite de tempo e espaço decidem as afinidades, diferenças e não as exigências.

Realmente, o que devemos falar mesmo é: será amizade mesmo? Um mero coleguismo, troca de bons dias, boas tardes, boas noites, companhias de vez em quando, aliados a carências são indícios do que há de vir, não do que já é. Nosso desespero carente por ter alguém de confiança, fiel, às vezes é tão canino que não enxergamos, nem sentimos a podridão debaixo dos nossos narizes. Vamos rápido querendo chegar logo, mas precisamos usar nossos sentidos para quem está mais próximo ou assim aparenta. Sabemos que só fazemos certas coisas com certos amigos e com certos amigos só fazemos certas coisas.  Afinal, amigo é aquele que sempre está pronto para te xingar e te acolher independente das independências e sem qualquer contrato casual.

sábado, agosto 17, 2013

Pernas podadas (miniconto)


Pernas podadas (miniconto)
por Rafael Belo

A Mentira pensava em todos os setes pecados capitais ao mesmo tempo. Via a espuma da raiva, o canto largado da preguiça, o tamanho da gula, a toda aberta da luxúria, se alongava pela altura do orgulho, ouvia a explosão da ira e procurava o esconderijo da inveja. Esta escondida em um ponto nos olhos, empoeirando a alma, entre as batidas do coração e rastejando debaixo da pele... Traiçoeira. Pronta a não deixar ninguém ter nada. Como ela, estava pronta para fingir por algo qualquer.

Ela não era a encarnação da mentira. Claro que não. Mas seu nome foi esquecido há muito tempo e pela sua ficha corrida, pelo seu currículo passando de boca a boca... A chamavam de pernas curtas ou pernas podadas e todos sabemos quem tem tais características... Bem, Mentira pensava e pesava sorridente o quanto era e desencadeava cada um do sete pecados capitais. Quantas mentiras contavam para esconderem terem sido enganadas por outras mentiras, por acreditarem e serem tolos os suficientes para "ajudar" esta que não vai longe pelos passos pequenos.

Viciada pelo sentimento da fingida esperteza, olhava seu feio reflexo e o achava bonito ao contrário de Narciso. Mas continuando a contrariar o mito achava o que não tinha bonito por demais e por mais que não tivesse, quem tinha deixaria de ter. Mas, o maior prazer dela era mesmo mentir e tanto mentiu... Teve de mudar de vítimas amigos. Só contava a mesma história três vezes, falsa como uma nota de dois reais e cinquenta centavos. Depois não conseguia nem mais ter retorno dos whatsapps que enviava... "Injustiçada", "incompreendida", partia para continuar a negar ser uma mentirosa incorrigível. Só não fazia o bem. A quase... Bem, a ninguém mesmo!

Tanto mentiu que surtou ao olhar no espelho e não ver mais a beleza, e sim algo terrivelmente feio. Foi à delegacia denunciar. Achou que o feio reflexo fosse um reflexo feio que estava ali para roubar sua beleza."Esteja presa sua Mentira", disse o delegado cheio de retratos falados, fotos, os tais ficha corrida e currículo. Sem entender nada continuou a mentir para sua esperteza, marginal, à margem do convívio e do bem-querer. Não procurou nenhum mentiroso profissional, não admitia concorrência. Preferiu mentir para a mente, que estava ali atrás das grades, dormindo em pé pela falta de espaço, para a própria proteção. E ela acreditou...!

quinta-feira, agosto 15, 2013

Esporas


Esporas


Chegou a noite enfurecida,
apunhalada sangrava o dia,
decidida, se apagou,

invisível, continuava ferida,
perambulou pelas suas horas,

estava enganada, não era uma mentira de esporas,
nem o complemento do amanhecer, ou alguma continuação,

enrolada no seu silêncio, rasgou suas estrelas,

gritou com emoção, sua independência emocionada,

nunca seria o oposto do dia, e toda dedicada a este tempo incontável de intrigas,

descartaria tantas mentiras, gostaria apenas de não ser o avesso de nada.

(Rafael Belo, às 19h57, quarta-feira, 14 de agosto de 2013).

terça-feira, agosto 13, 2013

É tudo mentira!


É tudo mentira!
por Rafael Belo

Somos bombardeados o tempo todo por informações e hoje parece que todos querem ser jornalistas, apesar de saberem muito pouco ou quase nada da técnica, apesar de desconhecerem a língua portuguesa escrita, falada, apesar de lerem extremamente pouco, apesar dos pesares. Então, a partir de uma informação transformam fatos e verdades em notícias. Pegam uma informação mexem um pouquinho e a mandam capenga, as vezes só com um tronquinho atrofiado e pronto publicam, compartilham, discutem, espalham e de repente descobrem que é tudo mentira.

O orgulho, a preguiça e outros pecados capitais, impedem de aprofundar o assunto, de ouvir todos os envolvidos, de passar uma informação de qualidade adiante, de verificar a veracidade de cada fato... Enquanto jornalista acabo rotulando os tipos de mentiras pelas intenções nem tão escondidas, e divulgadas sorridentes como assessoria por aí. Por isso, levantar todos os dados, pesquisar, adquirir conhecimento e só então formular um material contundente para construir uma notícia coerente e que vai de fato ajudar o cidadão a se posicionar e entender é social, comunicação social.

Há mais de um ano estou na assessoria de imprensa e mais do que nunca é possível etiquetar os tipos de mentiras e de pessoas. É o outro lado da moeda, mas procuro seguir a função social da minha profissão, e de tantos amigos, que possui um leque de ocupações tão repleto. Lendo tanta besteira por todas as mídias digitais, só é possível rir de tantos hoax (lê-se rouquis), estas histórias falsas deixando o povo de riso solto ou pele arrepiada. Coordenados com tantos fakes afetados e mal feitos que é preciso querer não ver para não enxergar. E não venha com meias verdades...

Meias verdades são "metades mentiras"... Convenhamos que coisas incompletas não são verdades. Meia mentira, é mentira. Meia verdade, é mentira. Tudo acaba sendo uma grande mentira se levarmos em consideração as intenções das informações, as pessoas envolvidas, as pessoas escondidas, as pessoas não ouvidas... Com quantos lados se faz uma notícia? Com todos os  lados existentes, narre os fatos, rebusque o que for necessário e eis uma notícia. Quantas possuem estes elementos hoje? Então, vemos na televisão o sugar até a última gota que em menos de 24 horas saiu o culpado, entrou novos fatos, mudaram antigos... E bem sabemos da velocidade da nossa Justiça.

sábado, agosto 10, 2013

Aquela hora (miniconto)


Aquela hora (miniconto)
por Rafael Belo

Ele perdeu a noção do tempo. Há semanas parecia estar no mesmo lugar. Como se estivesse amarrado. Claro, ia ao banheiro, comia, bebia, mas para o mundo desapareceu. Seu celular tocava, a companhia gritava, o telefone da casa berrava e ele seguia de costas. Seu nome era esgoelado, buzinaços aconteciam lá fora, bateção no portão... Mas nada! Absolutamente NADA! Ele continuava cabisbaixo e de olhar fixo nas horas. Horas paradas. Eram as mesmas dez para quatro da tarde desde aquele dia.

Aquele dia... Aquela hora... Ah, mas ele verificou. Olhou todos os relógios, cada celular, tablet,  nootebook, microondas, televisão, telefone, tudo que poderia mostrar as horas... Eram as mesmas 15h50. Ele olhava pela janela e o sol estava no mesmo lugar. Foi assim na primeira semana. Na segundo nada ficou no lugar... Depois ele já variava seu olhar ao redor. Olhos estatelados, pupilas dilatadas, seu sangue acelerava e seu coração parecia corredor quebrador de recordes. Então, um pânico silencioso resolveu morar em todo seu corpo.

Mas, a cabeça era a principal estada. Permaneceu caída depois do depois e fixa naquelas horas. Ele alucinava tudo que vivera até aquela hora. Via no reflexo do tablet. Repetidas e repetidas vezes. Tantas que ao invés de decorar, guardar os detalhes, ele mesmo soltou um grito de "não aguento mais", "não suporto", "pelo amor de Deus"," para essa merda"... Gritou até perder a voz, até perder o fôlego e imitar um asmático sem bombinha depois de correr desesperadamente.

Foi neste momento que ele se quebrou e ouviu o eco dele se desfazendo. A si mesmo caindo, destruindo os joelhos. Uma queda que deveria ser seguida de um histérico grito vazio. Mas, ele estava anestesiado pela paralisia do fracasso. Ele não pensava mais. Ele não pensava menos. Era como se naquela hora tivesse renegado todos os direitos de si mesmo, inclusive o de pensar logo existir... Aí era fácil sumir. Suas memórias sumiram primeiro, na sequência do terceiro depois. Tudo aconteceu dez para às quatro da tarde e ele não se lembrava como levantar... Insistir.... Foi a hora que ele desistiu e desperdiçou o tempo.

quinta-feira, agosto 08, 2013

Nós no tempo


Nós no tempo 


Desatando mais um amanhecer se ata outro nó,
nós pelo tempo,
vamos assim enrolados nos números perdidos,
esquecidos se estamos nas horas ou se lhe demos nós,
enrolados no pensamento, se o que passamos sós
se faz em próprio laço ao passo que laça o pescoço exposto
do tempo e faz forca para matá-lo, 
ao amarrar uma ponta e jogar a outra pela janela,
somente para no próximo minuto continuar passando,
nem parado nem voando, nos ensinando nossos momentos,
em mais um anoitecer com nó.

(às 19h19, Rafael Belo, quarta-feira, 07 de agosto de 2013)

terça-feira, agosto 06, 2013

Pelas voltas do tempo


Pelas voltas do tempo
por Rafael Belo

Prefiro sentir muita dor a dor nenhuma. Prefiro aprender com o tempo a dar-lhe o nó e pelos nós no tempo nós nos perdermos. Ficar sem um sentimento desta intensidade vai além do superficial. É viver fechando os olhos. Não me caleja tanta morte e sofrimento nos jornais e todas as demais mídias, pelo contrário. E não quero que isso mude. Quero que doa. Semana passada o assassinato por rejeição - porque discordo totalmente do termo passional - de uma jovem universitária de 18 anos por uma de 16 e uma de 17, me deixaram inconformado e dolorido. Tanto tempo perdido, tanto tempo tirado e não só de quem perdeu a vida, mas principalmente das assassinas e dos sobreviventes. Tudo porque a outra não teve tempo para compreender a dor. Agora a dor se espalha e não vai parar de doer.

Elas esconderam o corpo da garota debaixo da cama e embalaram as armas do crime. É isso que ensinamos com exemplos? Violentamos nossos momentos com um desperdício absurdo se aproximando do fatal. Cada segundo significa vida e morte e não sabemos se queremos economizar o tempo ou desperdiçá-lo. Sabemos o quanto depende de nós a duração do dia. Nosso temperamento muda o tempo. Se estamos muito ocupados o dia acaba rápido. E estamos intensos e entregas ao minuto, viram horas. Mas, às vezes, amanhã e daqui a pouco estão tão distantes que não temos tempo para esperar. Morremos e matamos na véspera.

E nesse matar ou morrer contra o tempo, quantas pessoas têm a vida tirada de maneira absurda e todo o tempo se escoa de uma vez e como se todos os relógios parassem no momento daquela morte, todos perdem também... A cada minuto a mais é uma vida a menos girando nas horas, se perdendo, sendo perdida, deixando para trás o que lá ficou. Nossos desejos de velocidade ou arrastar faz tudo ficar ao avesso e ficamos cuidando o tiquetaquear mesmo que não o ouçamos mais, mesmo que seja preciso a cada movimento apertar o celular.

Então, o rápido fica devagar e o devagar fica rápido. Este tempo entre uma coisa e outra pode muito bem ser a paciência e a calma. Nesta ida e volta, tudo fica parado e temos que pensar, organizar e seguir para não ficarmos presos nas 24 horas. Pelas voltas contando a luz do sol recontadas no escuro pela noite. Aí não importa a idade, não importa o tempo se não nos movimentarmos, se não refletirmos sobre o nosso ciclo, este nosso relógio particular com suas próprias horas, seu próprio clima e seu próprio pensar.

sábado, agosto 03, 2013

Frieza (miniconto)


Frieza (miniconto)
por Rafael Belo

Era um frio incomum. As flores estavam mortas. A língua adormecida, não se mexia. Ela própria murchara. Não havia mais beleza, nenhuma. Cultivou seu ego com toda a frieza das vaidades. Portanto, por dentro não era nada. Nada que se pagasse um centavo. Mesmo que em alguma parte - não descoberta - algo ainda valesse a pena. Ela não era soma, nem se somássemos. Ela não chegava a ser nem uma possibilidade. Ela não estava experiente, não estava sábia, não estava aguentando seu inferno gelado. Ela estava velha. Mas ainda tinha 30 anos.

Sem sol. Sem água. Ela levantava o dedo e apontava em riste para o sol. Parecia regada por vento, sombra e vazio. Vagava pela própria frieza, mas mesmo com tanta habilidade para manipular e se disfarçar recebia frieza de volta. Ah, porém não foi repentino. Ela exagerou. Perdeu a mão e, de fato, um dia as máscaras caem. No entanto, ninguém suspeitava serem tantas. Seu rosto era o palco e seu corpo o teatro. Ela se considerava a maior geada. Estragou tantas plantações e nem entrou na lista das possibilidades. Mas, como escrevi, o palco caiu.

Espalhou tanta raiva e rancor que de repente perdeu a cela e a armadura da falsa amazona da guerra, cavalgava mesmo o apocalipse. Percebeu quando as ameaças começaram a chegar no seu celular e as solicitações de marcações e postagens apareciam no seu perfil do facebook. Não era chamada para mais nada. Deixou de ser lembrada. Mas era vista, por toda parte. Tornou- se um Meme, este sim inesquecível. Virou sinônimo de falsidade, manipulação e perseguição no dicionário e no Wikipédia. Seu drama virou comédia, quase uma lenda contada em fim de festa.

Agora era tudo que detestava. Burra, invisível, descartável. Como pensava de todas as outras pessoas. A frieza que sentia e passava era de morte. Não tinha mais orgulho da frieza que carregava. Mas seu orgulho ferido a jogou na depressão da língua adormecida em silêncio. Mesmo aos 30 anos... Estava velha. Uma velha incomum. Ranzinza. Fuxiqueira. Sem ponto. Sem, claro, qualquer tipo de medida para as própria regras. Portanto, esqueceria os tombos dignos de fim de abismo sem fim e mais uma vez faria tudo de novo, afinal, estava velha. Não ficaria mais nova e não queria ser uma cadela velha aprendendo truques novos.