sábado, setembro 28, 2013

Pessoal (miniconto)



Pessoal (miniconto)
por Rafael Belo
Ele não achava que os dias entristeciam. Não existem dias tristes. Pessoas são tristes. Mesmo porque como uma segunda cinzenta termina em uma sexta quente e ensolarada? Falando só de dias letivos porque os fins de semanas deveriam ser felizes liberdades... Mas um segundo depois já estava em outro contexto e ele era uma pessoa triste. Queria dias tristes também porque solidão é aquela chuva no deserto vazio onde nada vive e mesmo antes de cair na área escaldante, evapora. Foi na distração imperceptível que percebeu o quanto perdeu e estava ali caindo neste deserto. Era lágrima.

Um monocromata por decisão. Só enxergava preto e branco. Nem aquela grande área cinza entre o começo e o fim ele via. Mas tudo começou com um pouco de daltonismo até, enfim, descolorir. Hoje ele era um ser humano, mas estava escrito em sua camisa: este não é um ser humano. Então, se estava escrito...  Ele nem mais representava a espécie. Não pensava... Seu cérebro só emitia estímulos básicos e se alimentava dos instintos mais característicos: fome, medo, agressividade e sexualidade. Vivia mastigando e bebendo. Seguia caçando o sexo oposto e agredindo quem invadia seu território. Seu território? Tudo que era próximo dele.

Ele sabia falar e falava. Manifestava-se nas horas indevidas, dava opiniões sem conteúdo, discutia sem argumento e tinha até casa, mas ninguém sabia como, onde e se trabalhava. Como dito, não pensava, mas no sentido de refletir... Certa vez, sumiu por cinco anos, apareceu em um extremo do país e dizia ter sobrevivido na selva com os pais. Na verdade ele era uma imagem inventada desde sua visão monocromática... Era só isso. Uma imagem sem qualquer significado.

Faltava-lhe caráter e todos os outros valores. Vivia atuando para o espelho como uma mistura pós-moderna de todos os vazios e desconstruções. Ele era um dia ruim de sete dias. Um fingidor dolorido escalando um abismo, pasmo por ser escalado. Chorava seu próprio mar vermelho e era só isso que caia dele. Ele era um jovem sem idade. Fugiu de casa, matou os pais e roubava para sobreviver. Invertia esta ordem. Às vezes sobrevivia roubando primeiro. Outras matando os pais, mas fugir de casa acabava não entrando em ordem nenhuma. Era seu caos pessoal. Nunca se sentiu em casa.

quinta-feira, setembro 26, 2013

Era só

Era só

Nascendo na copa das árvores, o concreto

entre o verde e o azul, o cinza incerto, direto

de uma alucinação atuando a dopagem

uma viagem girando... Dopada de entendimento



fingindo representar o dolorido momento

onde mensagem mistura mensageiro, sem meio

emitindo a conexão do arreio da reação calculada,

recalcada pela tristeza dos outros, atropelada pelos fins do sentidos



marcados pelo segundo de uma segunda de sete dias de quilometragem

do fio duplo da espada sem ambiguidade, que, afinal, "era só"... Uma imagem.

(às 10h17, Rafael Belo, quarta-feira, 25 de setembro de 2013).

terça-feira, setembro 24, 2013

Que me perdoe McLuhan...


Que me perdoe McLuhan...
por Rafael Belo
E de repente o coração gela e pesa. Todo o corpo se assombra e arrepia eriçado. Foi um susto. Foi um instante. Bastou à distração para a freada brusca a milímetros do acidente. Não é a toa que manhãs de segundas-feiras cinzentas são ditas tristes. Parecem entristecidas pelo fim dos fins de semanas. Por isso, às vezes, gostariam de nem ser. Talvez por isso o segundo lugar não é uma meta nos estudos e treinamentos. É consequência. Basta um desvio, um segundo para o coração ficar nesta garoa sem cor caindo lá fora com o vento, começando no branco horizonte tombando para um cinza neblinando nos olhos.

É como se para onde olhássemos fosse preciso desembaçar. Mas, dizer que é um dia triste só por ser segunda é brigar consigo mesmo quando um segundo é tão importante e pode ser a diferença entre a vida e a morte, entre o sorriso e a dor, no meio do caminho entre a alegria e o lamento. Condenar o dia gratuitamente é tolice, para amenizar o adjetivo. É criar um escudo de eufemismo para nossas escolhas, com tanta futilidade que exaltamos e elevamos a tanta importância que tudo fica descolorido. Então, protegemos a cabeça com uma bandana preta, só que ela parece ir direto esconder o cérebro e dopar os sentidos para uma viagem alucinógena.

Daí entre o emissor e o receptor cai toda a rede de conexão e as mensagens se perdem. Quando chega todo o meio foi contaminado pela vitimização e nós somos as vítimas de tudo, principalmente da nossa caverna. Perdemos a percepção. Pois, não somos nem emissor nem receptor, que me perdoe McLuhan, somos o meio, somos os mensageiros, somos a mensagem. Qual mensagem interpretamos por aí? Qual mensagem transmitimos? Parece que no meio da fala falta o som, no meio da imagem falta a luz, no meio do sabor falta o gosto, no meio do cheiro falta o odor...

Temos mesmo nossas extensões na tecnologia como acreditavam McLuhan e Steve Jobs? Sou mais o belga René Magritte: Ceci n’est pas une Pipe. (Isto não é um cachimbo.) Que causou polêmica no final da década de 1920 ao afirmar o óbvio ululante. Parecia literalmente inspirado em Fernando Pessoa: O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que seja a fingir que é dor/ Dor que deveras sente. Representar algo não é ser algo... Não há dúvida nisso. Mas, então porque fingimos tanto sermos dores e cachimbos, se na verdade não sentimos quase nada e não fumamos? O que isso representa? “Certamente” não a mim. Enquanto isso, o suposto tempo triste avança pela segunda-feira.

sábado, setembro 21, 2013

Lugares errados (miniconto)




Lugares errados (miniconto)
por Rafael Belo

Ela piscou de repente e ficou na incerteza. Era a vigésima vez que piscava. Nas informações inúteis guardadas, se parabenizou por chegar a média de piscadas por minuto. Pensou: muito bem. Agora está no auge da própria lubrificação e além de impedir poeira e qualquer prejuízo aos olhos, não deixou que eu enxergasse o que vim ver. Sozinha na esquina riu da ironia. Há uma piscada atrás ela tinha certeza, mas os atos involuntários do seu corpo a sabotaram. Autosabotagem. E agora? Vou parar de respirar também?

Ficou, então, naquela esquina literalmente de olho na outra. Parecia ter nascido ali. As pessoas desviavam dela, às vezes sem nem perceber. Eram poucas que acompanhavam aquele olhar arregalado para uma luz forte hipnotizante. A vista dela começava a arder, coçar e tudo seguiu lacrimejando. Não tinha nada à vista. Forçou-se a piscar e foi para próxima esquina. Não queria estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas corria atrás de estar entre o agora e o próximo instante.

Um surto de piscadelas se seguiu. Foi como se todos a vissem e ela saísse das sombras. Uma luz cheia no apagão da cidade. Mesmo com a coluna torcida para todas as posições possível, mudou o foco e olhava para todos que podia e muitos achavam aquilo paquera. Pisca daqui, pisca dali e ela começou a ver mais escuro que claridade. Estava em um decote enorme destacado pelo top que mal segurava os seios. Mais bem para baixo, uma microssaia quase incapaz de esconder a proa e metade da popa de fora. Ela chocava.

Estava distante do coletivo, era desejo. Não podia nem ser tão arrogante, pois se empinava tudo se deslocava. Se fosse muito subserviente, se abaixava demais e mesmo que fosse só um milímetro tudo aparecia. Mas, não tinha vergonha de nada. Bem... Quase nada. Ela podia fazer o que bem entendesse. Porém, algum dia em alguma dessas esquinas, tinha vendido seus valores, sua dignidade, seu respeito e tinha muita esperança de que fosse mais que trapos e pele.

Recentemente tinha a fissura de que se fixasse o olhar e não piscasse, enxergaria ao menos o respeito e assim estava indo de esquina em esquina, mas procurava pelos lugares errados, além disso, quando parecia que ia conseguir algo, piscava.

quinta-feira, setembro 19, 2013

Piscando

Piscando


Balançavam os olhos no balanço do tiquetaquear imaginário
de olho contado nas horas do celular, visionário
tentava estar entre agora e o próximo instante

porém, muito distante, tinha perdido o respeito próprio
parecia sempre sóbrio, mas era impróprio ao fazer e falar

uma contradição ambulante, sem qualquer metamorfose,
talvez uma lordose de tanto se empinar por fora,

sem mostrar a escoliose, seu por dentro, curvado,
crivado das balas irônicas do sem preconceito,
e mesmo com toda postura, querendo dar exemplo,
é uma bala perdida em cada esquina que pisca.

(às 09h43, Rafael Belo, 18 de setembro de 2013).

terça-feira, setembro 17, 2013

Respeito é bom e quem não gosta?!



Respeito é bom e quem não gosta?!
por Rafael Belo

Você sintoniza o rádio – claro, se tiver entre tal e tal idade – e ouve uma adolescente pedindo Justiça em um claro discurso ensaiado até o decoro, aliás, decorar a fala e ninguém questiona, apenas cede o espaço para falar, mas o outro lado não aparece. Há perfumes bons e ruins, porém, o excesso de qualquer coisa é ruim. Bem sabemos que combater o mal com o mal gera uma cadeia interminável, um efeito dominó apenas prejudicial. Deixando as hipocrisias de lado será que podemos contar quantas brigas por implicância e simples “atitude de superioridade” vimos, principalmente na nossa infância e adolescência?

Diferença enorme estava no tempo dedicado aos filhos e quando – normalmente – as brigas escolares não terminavam em mortes. Era como o Nacional Geographic ou Animal Planet dos adolescentes. Sozinho na hora do intervalo. De repente levanta a cabeça e se vê cercado. De duas uma: ou ele se enturma ou se impõe. Nenhuma delas significa que não levará chutes, pontapés, pescotapas e demais violências “disfarçadas”. Não só com meninos, claro as meninasmás.com sempre estiveram por aí.

Claro que os tempos são outros e toda violência persistente terá consequências nefastas externas ou internamente. Mas mortes? Estas que nada resolvem. Pelo contrário. Geram um clamor de justiça e injustiça por toda parte. No fim, sempre alguém ficará insatisfeito, mais ou menos. Horrível é o julgamento raso e inconsequente. Valentões merecem morrer e coisa e tal? Que pensamento é esse? Que comportamento é esse? A vítima/agressora - mesmo em legítima defesa como alegou ser – se tornou uma assassina. Tirar a vida de outro ser... Que alma fica em paz ao matar? Ainda mais aonde todas as éticas, morais e religiões seguem a cartilha do não julgarás, respeitar e amar o próximo como a ti mesmo, não matarás... É só hipocrisia?!

O país dos esquecidos não se refere só à política. Esquecemo-nos de tudo, até o assunto se tornar pessoal ou indignar nosso eu tão hipócrita de tantos pesos e medidas. Todo mundo gosta de repetir as vazias palavras “Respeito é bom e eu gosto”. Gostamos mesmo, não é?! Mas nos damos o respeito? O conquistamos? O oferecemos a todos sem preconceito ou classicismo? Transmitimos valores, damos bons exemplos? Como canta Gabriel o Pensador na música Até Quando? “Até quando você vai levando? (Porrada! Porrada!)/ até quando vai ser saco de pancada?”...  A reação e a resposta do Pensador é de dentro para fora, não de fora para outra prisão:

Muda que quando a gente muda o mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente
E quando a gente manda ninguém manda na gente!
Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura
Na mudança de postura a gente fica mais seguro
Na mudança do presente a gente molda o futuro!

sábado, setembro 14, 2013

Só a Chave (miniconto)

Só a Chave (miniconto)
por Rafael Belo

Como muitos gostariam de fazer, vez ou outra, ele pegou o carro e dirigiu sem destino, tentando não pensar em nada. Só percebeu o quanto o tempo havia passado quando o carro acusou que o combustível estava para terminar. Aquele som o trouxe de volta, mas logo se dispersou novamente e seguiu se esvaziando. Pensava estar tudo sobre controle com ele ao volante. Pensava assim até o carro ir perdendo a velocidade e parar de vez. Acabou o combustível. Não era a mente que estava vazia.

Olhou para o pulso, mas há tempos não usava relógio, procurou o celular e viu a imagem deste espatifado na parede quando um aplicativo travou. Olhou para um lado para o outro, girou sobre si mesmo atento a falta de detalhes ao seu redor. Circulou o carro, tirou a chave do bolso e a girou no painel o tein tein tein do tanque vazio acusava, mas ele estava interessado nas horas no painel. Exatamente 19h. Recém-noite. Pensou na real economia do carro: “Oito horas seguidas sem reabastacer...”. Depois de um primeiro passo.
Nunca havia feito nada sem planejar, sem analisar, sem saber cada detalhe antes de abrir a boca e realmente se aproximar e agora... Bem... Agora estava em um lugar totalmente desconhecido há 973 passou de seu carro e volta e meia torcia o pescoço para tentar enxergá-lo no meio da poeira e secura do ar. Seus olhos ardiam. Os fechou e começou novos passos cautelosos, “tateando” o chão com os dedos dos pés e depois com toda a planta. Estava descalço como não fazia desde criança.

Sua companheira angústia parecia ter desistido dele quando perdeu o controlo, junto a imagem do celular. Após tropeçar e machucar os pés em algumas pedras, cair e dar com a face em diversas árvores. Voltou a abrir os olhos. Tinha perdido toda a referência de tudo. Não sabia em qual direção torcer o pescoço para enxergar seu carro. Portanto decidiu não ter torcicolo. Teria passado um filme em sua mente sobre sua vida, mas a vida não era um filme, ele entendeu. Nada de mocinhos e de vilões ou movimentos calculados. Suspirou e largou os ombros. Ergueu a cabeça, marejou os olhos e decidiu caminhar até os pés calejarem. Mas em sua mente ainda não tinha certeza se havia ligado o alarme e travado o carro.