sábado, novembro 23, 2013

O Sol sempre está lá (miniconto)



O Sol sempre está lá (miniconto)
por Rafael Belo

Ela estava aprisionada. Não que lembrasse o motivo, mas desde que descobriu sua consciência, sempre se sentiu assim. Nunca conseguiu abrir os olhos, ou eles estavam semiabertos ou fechados em casa. Nem por isso deixaria de passar seu lápis preto e sua sombra azul céu, não que importasse, mas importava. Mesmo estando presa, assim, na política das pessoas, à toas sem saber. Até sem querer. Sempre sentiu grades por toda parte, a direcionando e espionando da mesma forma que sabia, que mesmo escuro e nublado seu céu de mais de duas décadas – era o que admitia pelos menos na última década -, o sol sempre está lá.

Por toda parte ela enxergava tendas. Não qualquer uma. As circenses. Da mesma forma que Cole Sear (Haley Joel Osment) via gente morta no filme O Sexto Sentido, daquele jeito, o tempo todo. Mas, às vezes, se sentia mais Malcom Crowe (Bruce Willis), o psicólogo infantil. De vez em quando por não saber seguir, simplesmente por desconhecer ter de dar este passo. E outras... Era por tratar com crianças de todas as idades, principalmente com mais de 20 e 30, até com mais frequência que via os circos. As atrações quando não eram superficiais, não eram entendidas, mas estavam constantemente pedindo comida.

No entanto, ela permanecia em silêncio. Se conhecia a tal paciência nunca confessaria, nem sob as piores torturas. Já ficava empertigada pelos falsos argumentos, aqueles sem argumento algum. Se irritava, mas permanecia do seu jeito e em seu lugar. De olhos semiabertos ou fechados em casa. Gostava de se manter no direito de não comentar. Tinha certeza que se comentasse teria os mais preguiçosos que diriam pensar/sentir exatamente o que foi escrito por ela. Como se fosse possível... Enfim, discussões para ela eram “perda total”.  Porque a República não é, afinal, fruto de atos egoístas, atropelados e de distorções filosóficas?


Não. Nada de Ditadura, Comunismo, Anarquismo, Fascismo, Religiosismo, Monarquia... O que quer que fosse ou seja, tinha de partir da maioria. O Brasil? Nem se formatassem, reiniciassem e incluíssem um HD externo de 1 tera. Então, veio a primeira chuva no meio daqueles prisioneiros, os pensamentos silenciosos, os sentimentos em braile que não se expressavam aos olhos, só para quem tocasse. Ela se molhou muito antes de perceber estar chovendo e ela encharcada.

Então, no alcance do horizonte um arroxear escapou do escuro cinza. Logo estava cercado de várias tonalidades de seu roxo e um dourado divino, precioso, encantador e envolta um azul clarinho. Tudo fazendo de árvores sombras iguais a pessoas. Um espetáculo do sol, sempre lá. Absorvida ela parecia estar mudando a ideia sobre o Brasil, enquanto feito uma gigante acordada por mais de duas décadas – ou a verdadeira idade dela – adormecia, anestesiada pela paisagem pela primeira vez. 

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