sábado, novembro 02, 2013

Um dia vai (miniconto)

Um dia vai (miniconto)
por Rafael Belo

Ela vivia repetindo para si mesmo: ninguém é tão importante para não ser esquecido nem é tão insignificante para não ser importante. Era tanta repetição que bastante não era suficiente para a intensidade. Já não sabia mais se fora ela quem inventara tal provérbio ou se leu em algum lugar. Para todos os defeitos era o provérbio dela. Atualmente levado ao status de mantra. Ah, e como ela o repetia... Elevava a cabeça diante do espelho, depois alinhava os olhos e mais uma vez o dizia. Ninguém. É. Tão. Importante. Para. Não. Ser. Esquecido. Nem. É. Tão. Insignificante. Para. Não. Ser. Importante.

Mas, ao encarar seu emprego... Bem, encarar é uma palavra muito audaciosa, corajosa por demais para estar associada a ela. Pelo menos em público ou na presença de qualquer outra pessoa a não ser ela mesma. Ao chegar sorridente para mais um dia interminável de sofrimento para um mísero salário no fim do mês, mal conseguia pensar seu provérbio/mantra. Passava mais de 20 anos sem parar se preparando para não ter de se submeter a ninguém e olhava com total desânimo o que conseguira. Trabalhar em um sitezeco dito de jornalismo, mas dava para contar nos dedos quantas matérias haviam ali com espaço e fontes suficientes para se considerar a credibilidade... Mesmo assim, três anos se perderam entre seu silêncio e cumplicidade.

No seu próprio submundo se flagelava e deixava a mediocridade ser maior que a gama de qualidades possuídas por poucos, utilizadas por menos ainda. Em uma entrevista agrada-poderosos da vida ela estava acesa e irritadiça como nunca antes na história jornalística. Perdera um ente querido e mesmo assim foi trabalhar e ao invés do oceano de lágrimas, uma erupção de ira disfarçada em um sorriso inteligente e um olhar penetrante a dominavam, aliás dominavam os outros. Ninguém. É. Tão. Importante. Para. Não. Ser. Esquecido. Nem. É. Tão. Insignificante. Para. Não. Ser. Importante. Ninguém é tão importante para não ser esquecido nem é tão insignificante para não ser importante. NinguémÉTãoImportanteParaNãoSerEsquecidoNemÉTãoInsignificanteParaNãoSerImportante.

CHEGA! Pensou tão alto que olhou na certeza de ter dado o grito da independência ou morte. Não conseguiu uma resposta concreta para nenhuma das perguntas não combinadas que fez. Levantou pegou seus papéis e foi embora bufando para os rostos assustados e sussurrantes a sua volta. Foi para casa. Não atendeu ligações nenhuma. Conferiu o material que pegou e foi sua vez de se assustar e sussurrar. Havia nomes, telefones, ligações e cada prova do envolvimento de cada jornal com as verbas públicas e os desmandos que recebiam. Escreveu. Entrou no site e publicou. Em seguida fez um dossiê e mandou para Google e o mundo. Nos dias seguintes os jornais eram fechados e investigações abertas. Três meses depois o jogo começava do zero como se quase nada tivesse sido admitido e ela demitida.


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