sexta-feira, fevereiro 21, 2014

À deriva (miniconto)


À deriva (miniconto)
por Rafael Belo

Era um assalto. Todos estavam com as mãos ao alto. Mas nervosos os assaltantes exigiam todos no chão. Sem olhar para eles, sem se mexer ou qualquer reação. Poderia ser fatal. Mas foi além disso. Foi um massacre total. Era uma festa e os bandidos amadores nunca haviam atirado, muito menos Fatos Via. Mas foi exatamente isso o feito. Via, cinéfilo convicto, principalmente de filmes de ação, esperou a hora certa. Lutou com o assaltante mais próximo. Ele estava com uma metralhadora automática e acabou na hora errada. A arma travou no disparo. Matou todos.

Fatos foi acusado de assassinato em primeiro grau e apontado como líder da quadrilha de assaltantes. Vários assaltos seguidos de mortes não resolvidos também contabilizaram como seus. Sem qualquer prova. Havia câmeras e todo o massacre foi gravado, mas alguém teria de pagar pelos crimes... Pagando o pato... A fatalidade custou à sanidade de Fatos. De fato ele não era mocinho, mas muito menos bandido. Não havia tais coisas. Estava tão abatido e solitário... Ninguém pensou... Mas ele reagiu na primeira oportunidade. De novo. Consciente desta vez. Decidiu exercer o fictício papel de bandido.

Assumido, mas não conformado. Não era frio nem emotivo, porém matar centenas de pessoas... Pelos menos não havia 600 na festa como as balas da arma... Ele lembrava de Carrie, a Estranha... Um banho de sangue paranormal, mas agora pensava só em si. Sempre agia em seu benefício e agora era caçado.  Nunca fez nada para ninguém a não ser ele mesmo. Qual era o problema?! Não lamentava ter ido à festa. Aproveitou muito, se envolveu com várias garotas, mas detestava o rótulo de assaltante... Assaltou vidas, mas não ficou com nenhuma. Não lhe interessava...


Todo o dia relembrava os rostos. Com a maldita memória fotográfica, não esquecia um rosto. Às vezes ria outras gargalhava... Não era pelas mortes e sim pelo seu fim ou “à deriva”, como enfatizava para si mesmo. Ele estava à deriva. Fatos viraria diversas histórias para assustar e traumatizar crianças e adolescentes. Mas, seguia repetindo, tentando não beirar a loucura: Não sou bom nem ruim. Não existe tal coisa. Fui vítima antes de tudo de mim mesmo, mas bem ou mal? Não... É tudo mais complicado ou mais simples. Não sou nada além de mais um mendigo de estrada “à deriva”, sou as minhas escolhas erradas. 

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