quarta-feira, fevereiro 05, 2014

Som fantasma (miniconto)


Som fantasma (miniconto)
Por Rafael Belo

20h30
Nenhuma saída. A estrada nos empurrava sempre em frente. Ates os quilômetros se perderem e um brilho vermelho aparecer. Do lado direito da rodovia o carro deu uma guinada, bateu por baixo e voltou em uma estrada acidentada de terra. Esta terminava em um motel. Jean Mirante pressionou o botão do interfone diversas vezes. Estava desconfiado. Tudo parecia o mais completo deserto, mas ainda não era medo. A vontade de parar e descansar estavam à frente.

Precisava dormir. Um som irritante tilintava em sua mente o alertando para tal fato e a noite terminava de cair naquele momento. No extenso horário de verão o dia sempre ia embora suavemente, quase despercebido. Às 20h30 o “quase” transformava-se em “nada”. Então, como um foragido em uma perseguição frenética, se enfiou naquele buraco, aliás, ainda tentava. Poderia não ter conseguido...

Ninguém atendia o interfone e Mirante alternava sua encarada de descrença entre o vidro parecendo à escuridão e o estridente interfone. Pensava ser impossível um motel sem nome iluminado, mal e acusatoriamente, mas iluminado, não ter viva alma. Engatou ré, manobrou e começou a se distanciar. Ouviu um barulho de metal raspando e olhou afetado por todos os retrovisores. O portão do motel abria lento como um cego escalando se equipamentos.

Esperou que saísse um carro ou alguém, mas ouviu algo parecido com uma voz e foi obrigado a virar a cabeça até onde o pescoço permitia. Nada. Deixou o carro ligado desceu desconfiado, mas rápido. Olhava para todos os lados. O portão se fechou como se fosse o velocista Usain Bolt ou até mais rápido. Parecia que nem tinha se movido. Mesmo assim voltou a tocar o interfone mais insistentemente que da primeira vez. O medo se aproximava mais. Assustou quando finalmente uma voz distante e sem rosto respondeu suas perguntas. Ficou com o quarto mais em conta e já se arrependia ao voltar para o carro e desmanobrar para entrar.
21h
Com a chave em mãos deixou a carro deslizar lentamente e percebeu que além de não existir ninguém por ali seu quarto era o último. Ao descer com o medo nos olhos para fechar a garagem... Havia uma sombra indefinida em uma parede ao longe. Forçou a vista, agora com medo, como um túnel do tempo a sombra foi se definindo em um velho vestido florido sem qualquer expressão e movimento. Estava encostada na parede. Antes nada lá havia... Mas se sentia observado – pensando bem – desde que jogara o carro naquela estradinha acidentada de terra. Agora toda a observação se resumia aquela figura que de repente já não estava ali, mas a sensação persistia. Estava sendo observado e com medo mediano.

Apesar do cansaço não conseguiu dormir. Seu cubículo tinha um banheiro com vaso, pia e chuveiro. A cama e o espelho eram do mesmo tamanho. Os lençóis estavam todos marcados assim como o estofado da cama. Ele estendeu a toalha e deitou no chão. A cortina caiu com estardalhaço. Ele procurou um banco e arrumou. Percebeu uma tevê bem antiga – preto e branco - em um cofre vazado com grades. Achou um controle remoto sem função. Usou o banco para subir, esticar os braços, ligá-la e tirar do sexo explícito que pensava estar lá. Mas não. Eram imagens paradas da rua, garagens, guarita e quartos vazios.

Só silencio e seu coração querendo correr em pânico daquele lugar. Desejava freneticamente qualquer tipo de ruído. Mas não. Silêncio enlouquecedor. De costas no chão pensou em sair imediatamente, mas para onde? Melhor suportar mais algumas horas até clarear... Só então percebeu o ventilador de teto, mas mesmo com mais de 30 graus, sua noite estava fria. O que não impediu do ventilador ligar e pendular vagarosamente em um oito invisível. Tinha um ruído de tamborilar de dedos se enervando. Ele pedia de volta o silêncio...

Pegou o celular. Nada funcionava. Sem mensagens, ligações completadas, whats, quem dirá internet... E agora? !Deu um grito, se arrastou até bater na parede. Os olhos arregalados e todo o corpo ofegante. Suava frio. Tudo em resposta a uma invenção de metal cansado e enferrujado que girara na parede e a aparecia, em seu lado recortado, com uma coca KS e um lanche desconhecido, mas com deliciosa aparência e cheiro. Estava faminto e sabia que não deveria comer, mas comeu. Alimentou seu corpo e sua mente se satisfez com o medo. Riu de nervoso. Estava isolado.
22h – 4h
Começou a se sentir mal quando o sono finalmente chegou. Deitou por pouco tempo arrepiando com o tamborilar de dedos aumentando a velocidade vindo de todo o quarto. Como se a pressão daquele cubículo caísse a cada investida do som fantasma. Procurou a luz pelo interruptor. Desesperado já estava no banheiro enchendo a pia pela segunda vez. Não cabia mais nada, então virou para o vazo. Três vezes. Desentupiu a pia com aquele fedor do que havia comido há pouco. A mão remexendo, de dentro de uma sacola, o rosto virado para evitar olhar e cheirar. Os olhos fechados concentrados.  Lavou a pia e as mãos. Escovou os dentes e voltou ao chão e ao medo.

Nada de dormir o som fantasma do ventilador aumentou. Depois de uma hora de paranoia a mente se somou ao cansaço do corpo. Dormiu. Um frio infernal. Acordou assustado no meio da madrugada. O som fantasma aumentara e se repetia sem intervalo. Em pânico e com dor, Jean se encolheu. Percebeu que estava naquela cama contaminada. Havia um brilho tênue no quarto. Um vultou avançou do espelho para ele e se dissolveu na cama. Não se deu conta que ligara o celular e acendera a luz. Mas percebeu de imediato que o silêncio que o apavorava no início voltava como uma carícia desejada.

Um momentâneo silencio pousado. Jean tremia sem controle. Soluçava. Chorava. Arrependia-se. O som fantasma parecia nem ter parado. Tamborilava agitado, rápido e ofegante. Primeiro vinha do ventilador, depois parecia a espreita em cada canto do quarto. A luz se oscilava e celular também. Tudo se apagou, menos Jean que correu para o banheiro. Todo aquele tamborilar tornou-se um sufocamento e um ranger como se um grande peso estivesse suportado por partes que se arrastavam.


Ao sair do banheiro. A escuridão se acumulava. Nada via, mas ouvia, com a carne e a alma, o tamborilar, o arranhar e a respiração ofegante. Agora em seus ouvidos... Não esperou amanhecer. Se jogou na porta daquele túnel do tempo até esta ceder. Deixou tudo para trás. Seus pés sangravam, sua cabeça latejava e cada olhar era de um desespero novo. O tamborilar, o arranhar e a respiração ofegante estavam com Jean. Grudados em sua alma, cortando seus tímpanos.

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