quarta-feira, outubro 22, 2014

E os dois? (miniconto) – Rafael Belo


Mastigar as mais fortes pimentas para provar que aguenta e tentar gritar arrebenta ao estado de estupor pensando dar valor ato agregando coisa nenhuma. Todo o rancor negado, falsamente arquivado no amargor isolado na ponta da língua, solta, louca para encontrar boi na linha liberando fogo pelas ventas feito uma tormenta sem direção e lá eles estão. Ele e ela a subir o tom xingando até quem experimenta jogar terra ou água para apagar, mas o desabafo revoltante é tão picante que nada vai adiantar.

Ela e ele a se esgoelar quebrando vidros e janelas até sangrar. Podem falar sem parar, levantar a placa do juízo final chegando nas esquinas de qualquer lugar, pois perdendo ou ganhando as escolhas erradas os vão matar. Não por serem escolhidas, errar é grande parte da vida, mas por insistir em guardar este estoque de veneno no palavrório verborrágico golpeando sem parar um adversário inexistente porque no mundo só enfrentamos a gente.

Eles eram complementos calados, equivocados ao deixar passar sempre em branco aquele brilho nos olhos se transformou em banto. Reclamações de canto em canto até o olhar ficar fosco. A sessão do dia termina como tudo começado, pode até parecer ensaiado, mas quem vai saber... O importante é entender o recado, diz ela para você, mas é preciso entender diz ele sem se perder. Por quê não fala abertamente claramente seja lá o ser do seu dizer?

A pergunta conjunta saiu moribunda, já caquética. As vozes do casal, antes atléticas, estavam mais para patéticas porque aos gritos ninguém consegue conversar. Escutar, todos escutaram, mudaram o itinerário ou por medo ou pelo ouvido curioso sedentário naquele jeito patente de viver permanente provisório. Complexo do simplório acreditar no adivinhar do outro, óbvio... 

Sim é evidente o satisfatório temor de ser. Devorar-se sem decifrar a esfinge, aquela que finge ser reflexo do espelho, de joelhos a implorar pelo enigma desfeito pelo defeito de guardar o pior e aguardar para espalhar o mesmo. E os dois, sem rancor ou amargura, ficaram assistindo a certa altura, sem ninguém perceber que não estavam mais dentro da reação daquela inventada discussão e foram embora sãos, ao longe.

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