quarta-feira, outubro 15, 2014

Sensação (miniconto) – Rafael Belo


Ia tão distraída a noite que o sono se perdeu entre um vapor e outro no mormaço que preencheu o mundo. Imagina o calor do quarto... Uma sauna noturna sem sol para um casal querendo se Amar, mas o toque era um suor repelido por todos naqueles dias extremos, então era uma atração disposta a se cansar de tanto tentar resfriar aquela gente quente.

Nada de vento, brisa ou sopro, era tudo deserto e deserção. Estava tão quente... Tão quente... A ponto de ele nem ser ele mais. Ela não se continha. Ia e vinha. Se molhava e agoniava. Tão agoniada estava... Secava antes mesmo de se molhar naquela sequidão fazendo evaporar até o que não era água. Animados e inanimados derretiam. Todos sentiam o próprio ar queimar.

Depois de tanto fogo ninguém era quem era mais. Ele acordava de um sonho longo com seus queridos mortos. Ela dormia abraçada ao chão perto o bastante para se tocarem sem suarem. Foram para o ladrilho para aí sim apagarem mesmo ainda em brasas. Nem era dia ainda, mas na medida do possível o ladrilho estava “frio” o suficiente para recuperarem o sono perdido dele. Parentes falecidos o acolheram no sono como premonição.


O presságio o fez parecer gostar de dormir no chão como muitos daqueles que já entre nós não estão. Só assim dormia ultimamente, na verdade, depois de horas tentando na cama frigideira desceu, se ajeitou, apagou...  No “sonho” os falecidos faziam campanha para ele ir embora da cidade assim que possível e comiam os salgados favoritos quando em vida. Acordado ele mantinha a sensação de ser um deles, o pai, até se comportou como tal, depois voltou a dormir finalmente como ele mesmo.

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