domingo, fevereiro 15, 2015

Improvisando (resenha do livro vidas provisórias) por Rafael Belo


É bárbara a forma como vivemos o paulatino cotidiano neste constante viver provisório. Bárbaro nos dois sentidos pela liberdade e opressão confusos em seus significados. Provisório porque assim a nossa vida é, a não ser que pratiquemos boas obras repercutindo na eternidade, nossa própria Odisseia, nossa própria Divina Comédia. Vidas Provisórias de Edney Silvestre é um destes ecos para o futuro.

Paulo e Bárbara são forçados a viver vidas provisórias. Um pela ditadura dos anos 1970 e outra pelo Governo Collor, em 237 páginas,publicadas pela editora Intrínseca, difíceis de nos largar e nós largarmos elas, com uma narrativa surpreendente. Um é obrigado familiarmente a sair do país em uma perseguição nada provisória do Chile à Suécia e outra vai ser empregada de brasileiros nos Estados Unidos. Vão vivenciar vidas violentamente diferentes e frutos do que não fizeram. Levados ao limite, órfãos de um Brasil feito de desconfiança e dor nos mostrando a visão do "exilado ilegal".

Lá fora não são eles mesmos. Não possuem a mesma identidade. Estão em conflito interno. São provisórios e vivem desta maneira: provisoriamente. Estrangeiros chegam aos países distantes da realidade que lhes machucou de forma abrupta e têm tudo mudado constantemente, pois nada é definitivo. São assombrados pelos fantasmas brasileiros vivos e mortos podendo chegar até elas ou as ignorar. Bárbara e Paulo estão solitários, mas dificilmente sozinhos.

Nesta solidão que nada, Silvestre nos acolheu e se mostrou uma revelação fantástica da nossa literatura com uma abrangência mundial repleta da capacidade de qualquer pessoa se reconhecer em algum momento naquelas vidas provisórias e, quem sabe, não se identificar improvisando seu dia-a-dia sobrevivendo longe do desejo de viver, vendo o desejo possível de ser alcançado, mas preso naquele improviso supostamente temporário.


EXPATRIADOS, separados no tempo e na geografia, Paulo e Barbara compartilham, além da experiência do exílio, o estranhamento pela perda de suas identidades, o isolamento e a sensação de interrupção do curso normal de suas vidas. Diferentes motivos os levam ao estrangeiro. Em 1970, Paulo, perseguido pela ditadura militar, é preso, torturado e abandonado sem documentação na fronteira, de onde segue para o Chile e depois para a Suécia. Barbara, com uma identidade falsa, deixa o país para trás em 1991 — durante o governo Collor —, fugindo de um rastro de violência, e se instala nos Estados Unidos como imigrante ilegal.


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