sexta-feira, junho 05, 2015

Muito atrasado


por Rafael Belo

Na primeira das quatro conduções que pegaria nesta sexta-feira, Alan Menos já sabia das feitas dos caminhos certos. Eles iriam aprontar novamente, aliás, já estavam fazendo. De pé no ônibus tentando não pensar em nada olhando através de tudo lá fora, Alan tinha certeza que o senhor a dizer ser abençoado por Deus entregando papeizinhos escritos à lápis com letra incerta e tremula, sabia ser mais fácil receber algo daquelas pessoas sentadas no coletivo a um centavo de pessoas possuidores de fortunas.

Mesmo assim recolheu seus papeizinhos sem receber nenhum dinheiro, mas sorria silenciosamente como se tivesse um segredo. Talvez alguma satisfação da quietude provocada em uma dezena de mulheres amigas tagarelando até há alguns instantes sobre comprar demoradas no Brás... Provavelmente não!

No metrô um idoso, de bengala e arrastar de pés, senta no banco reservado de direito. Algumas estações depois, Alan já percebendo a movimentação de quem vai se levantar para descer, abre caminho, mas mesmo assim vem o surpreendente pedido de licença e o contorno pelas costas de Alan. Talvez seja orgulho de continuar fazendo algo por si só e ouvir a própria voz corajosa... Provavelmente não!!

A caminho do ônibus interestadual, Alan observa um senhor aparentando mais de 70 anos, porém com quase 40, tremendo no frio paulistano escondido na neblina. Seu único casaco de couro já despido em mãos quando recua em um não mental. O friorento já sabia o que viria e fecha o rosto com direito a raios e trovões. O casaco preto de couro era a única roupa de frio de Alan e ainda unitária herança, além das lembranças, do falecido avô.


Vestiu rapidamente o casaco, pegou seu cartão e iria gastar o crédito que não tinha para aquecer aquele desprovido de tudo Menos da vida, mas este negou dizendo que nada novo o iria ajudar. Negou tudo de Alan, lhe rogou uma praga e foi engolido pela multidão, que de repente, assim como Alan se dava conta do quanto estava atrasado para os trabalhos verdadeiros. Alan decidiu nunca mais ignorar os seus instintos e seguiu seu destino.

Nenhum comentário: