sexta-feira, novembro 27, 2015

Reflexos de barro (miniconto)




Era possível sentir as cores se misturando no ar. Aquela brisa marítima chegava com um sorriso na face de Mário e ele sorria. As ondas iam parar de ir e voltar só quando acabasse o mar, mas por enquanto continuavam. Por enquanto iam e vinham trazendo o som da tranquilidade. Iam e viam com uma frequência cada vez menor atrás das memórias perdidas nas areias e lambiam como se fossem uma língua de gato.

Era um banho de pensamentos naufragados, afogados sentimentos e de uma sinestesia inebriante.... Mário se endireitou, esfregou os olhos, inclinou o pescoço para frente, torceu o nariz e olhou para os lados. Levantou e limpou a areia das roupas e do corpo. Como uma onda humana mimética cronometrada várias outras pessoas se levantaram, avançaram e recuaram diversas vezes...

Mas a maresia mantinha meticulosamente um marrom como se a vida se desmanchasse em barro e seu sopro cessasse. O azulado esverdeado estava maculado e trazia a morte boiando. A corrosão do tempo agora era instantânea e enferrujava dos olhos a alma. O som de murmúrio típico de uma multidão lamuriosa substituía a sonoridade mais penetrante do litoral.


Manchada a tranquilidade de Mário, ele procurou vestígios de revolta, no entanto a drástica dramaticidade do momento levara tudo a paralisia e a vontade dele era de voltar àquele ritmo repentinamente tomado, roubado da própria vida... “Então era desta forma.... Assim chega a morte! Tão de repente e mesmo assim a negamos todo as vezes”, falava alto Mário como um ensaio, uma marcação de palco. Porém, desta vez toda a plateia encenaria a morte. Água salgada e barro estavam nelas também e todos morriam até o mar voltar procurando o reflexo no céu.

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