quarta-feira, janeiro 25, 2017

Desfribilador (miniconto)




por Rafael Belo

Não era um dia comum. É bem provável que isto de comum seja pura invenção... Era manhã, mas ainda não havia amanhecido. Todas as tonalidades de nuvens cinza se espalhavam pelo céu, bloqueando a luz e deixando a sensação de fim e não começo. A qualquer momento as ruas virariam rios e a fobia de chuva parecia a maior ironia contagiosa dos últimos anos. Quase toda a população tinha a sarcástica ombrofobia. Adana ria sempre que pensava nisso. Ela imaginava os governantes dando de ombros convulsivamente para todos... Não, não era engraçado, mas chorar ela não iria. Esta palavra era mais uma apropriação do grego. Ómbros significa tempestade de chuva e phobos, medo ou aversão.

Vivo em tempestades. Com certeza não sou a única, sou mais uma e aquelas famosas feitas nos copos d’água então... Há tantos medos nos perseguindo como pesadelos nestas falências múltiplas de tudo, inclusive dos nossos órgãos. Nem sei se sinto algo mais... Não consigo me conectar de maneira alguma... Será possível comprar um desfibrilador? Deveria ser item obrigatório nestes dias de fobias e pesadelos, quem sabe o coração não volte realmente a funcionar... Quanto tempo vamos aguentar ficar sem respirar nesta atuação da morte?

Sou obrigada a encarar esta chuva. Espero não paralisar. Preciso chegar até o outro lado da cidade. Precisam de mim por lá... Será que decorei todos os buracos destas ruas? Há algum espaço para passar com o carro ou sequer com a moto? E a pé? Os ônibus nem podem passar mais quando a chuva passa de meia hora. Foi proibido. Imagine só... ! Diziam que os motoristas de ônibus eram imunes ao medo de chuva... Parece não haver mais imunidade, só impunidade e cada vez mais doenças novas e velhas...

Os celulares e os semáforos já não funcionavam antes quando começava a chover... Agora parecem desligar completamente...! Nem ficam piscando em alerta como antigamente... É possível uma máquina adquirir fobias humanas? Nossa nem sei mais como sair de casa. Ninguém se arrisca a sair neste tempo e eu... Parece que estou em um rio e não em uma rua... Se eu andar muito devagar afogo literalmente, rápido também... E agora? Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Cai? Foi de uma vez... Qual o tamanho deste bu... Cratera? Será que um desfribilador funcionaria na água ou eu morreria eletrocutada ao invés de afogada? Será que os pensamentos acabam quando você

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