quarta-feira, junho 07, 2017

Bendita picada! (miniconto)



por Rafael Belo

Eu dei um grito. Simplesmente na maior naturalidade e parecia sem fim. Gente desconhecida chegou até mim e imediatamente percebi a mudança. Sempre evitei dizer qualquer coisa. Não queria conflitos nem nada. Apenas me afastava e achava ser assim mesmo. Mas, depois da dor, do grito e das minhas palavras: senti-me leve. Tão leve a ponto de fazer algo difícil: sorrir. Aprendi a sorrir de verdade. Antes era só um entortar enviesado dos lábios um pouco irônico um tanto de “acaba logo”, um monte de “tudo bem”, mas sem mostrar os dentes, sem destravar realmente. Não sei ainda o motivo da dor. Um inseto ou aracnídeo talvez? Uma cobra provavelmente...

Sei da dor e da mudança iniciada de baixo porque foi de lá a picada/mordida. Minha bota está pendurada como lembrança na parede de entrada da minha casa. Foi minha experiência quase morte. Não voltei deixando vestígios do outro lado nem nada disso. Não despertei tanto meu espírito assim e continuo achando ser carne e pele com cada sensação nela. Sou teimosa. Sei o seguinte: seja animal, inseto ou aracnídeo o veneno foi o suficiente para me matar. Aquela antiga eu ficou ali apodrecendo até virar ossos. Eu já vinha sentindo meu cheiro de putrefação, mas como saberia estar morrendo? Eu era o real clichê morrendo por dentro.

Não vou dizer as palavras rudes e até os palavrões, mas não me arrependo. Percebi pelo olhar chocado das pessoas tentando me ajudar e eu rechaçando começando com “não me toque” e chegando ao sexismo de coisas não ditas.  Aí me diziam você é mulher e blábláblá e eu tipo Po...! Fo..-..! Só me deixem com minha dor. Se ela não passar eu passo com ela. Não meço palavras mais. É simples: ou digo ou não digo. Mas, jamais deixo mais quaisquer coisas abertas para diversas interpretações. Sou clara como meu nome e mais porque sou Claraluz tudo junto mesmo.


Sabe, eu fiquei inchada, delirando e mesmo desta forma sai cambaleando pelo luar daquele desterro. Como fui desaforada ninguém veio atrás de mim. Quando cai não sei quanto tempo fiquei ali, mas pelo menos um dia foi. Ainda bem... Não foi em lugar aberto porque era bem possível eu estar com câncer agora. É! Isso não foi nada inteligente, mas gente!! Me entendam!! Não foi a picada, a quase morte responsável por eu adquirir sinceridade... Foi eu ter ganhado um tempo para pensar. Bom... Eu... Eu confesso! Como muitos eu pulava de um “amor” para um desamor e ocupava meu tempo só para não ficar comigo mesma. Mas a libertação da sinceridade cria relacionamentos de verdades e como é bom saber ser leve e completamente eu. Bendita picada! 

Nenhum comentário: