quarta-feira, julho 19, 2017

Até o próximo (miniconto)





por Rafael Belo

Nevou pela primeira vez durante minha existência. De repente a densidade daquele branco pareceu nos transportar. Foi como um sonho que tive durante boa parte da minha curta vida. Éramos sobreviventes sem memória. Eu ia à frente e ele da metade para trás. Eu corri quando a brisa fria marítima trouxe a maresia aos meus cabelos. Terminei não só pelo inverno tenso, mas pela liberdade. Decidi que a verdadeira liberdade começa com esta frieza por falta de reconhecimento. É como um fechamento a vácuo, um passeio no limbo ou queimar o chuveiro sem a gente perceber e a temperatura está negativa...

Quando corri ninguém me seguiu, a temperatura estava muito baixa e pesou em todos. Ninguém sabia de nomes ou lugares. Éramos os caminhantes. Vestidos iguais. Andando iguais. Mas não. Isso me incomodava. Eu precisava sair dali com muita pressa. Por isso, ainda estou correndo e já não há frieza. Eu reconheço está liberdade.   Eu sei o que não sou. Já é muita coisa, não é? Ainda é 2017? Não vejo torres, prédios, barcos, carros nem ruas ou postes... Espere! É um poste lá entre as pedras e a areia cinzenta?! Este vento me açoitando não me deixa entender o motivo das minhas lágrimas... Ainda esta frio aqui dentro!

Eu corria sem olhar para trás. Mas não precisava. Sabia que ainda desciam aquela estranha escadaria, seguiam em direção as pedras arredondadas para as areias cinzentas e aquele mar agitado avançando sobre a fila. Não viriam atrás de mim. Não hoje. Não agora... Talvez amanhã se o houvesse... Mas é bem provável não haver nada mais até o fim do dia. Veja! O mar está avançando metros em minutos. Tudo vai voltar a ser mar. Tudo não! Esta sobra por aí... Seremos lavados, as energias limpas, renovadas e então... Descobriremos. Nós somos o passado e nem sabemos disso.


Olhei para cima e vi os pássaros migrando. Era isso não? Mas eles estavam atrasados. Alguns caíam como folhas soltas pelo tempo seco. Outros viraram cinzas, mas dois... Aqueles dois... Pousaram! Pousaram exatamente na minha dúvida. Era um poste. É um poste e tem fiação... Eles parecem saber de muita coisa. Eles esperam algo... São o mesmo, não são? Outono, Inverno, Primavera e Verão... São estes dois e no fim são um só. Eles são as estações... Não se pode atrasar as estações. Uma hora a gente entende a necessidade de passar por cada uma delas, por isso não posso me atrasar. Vou continuar correndo até me lembrar o motivo porque ou você vive como ela vem ou fica como está até o próximo inverno chegar.

Nenhum comentário: