quarta-feira, agosto 09, 2017

Nem percebeu (miniconto)





por Rafael Belo

O carro parou. No mesmo lugar. Minha mãnhê tirou o celular da minha mão e disse o que dizia todo dia: “acabou a brincadeira. Devolve o celular pra mamãe.” Era a primeira vez que o meu plano funcionava. Desde que deixei de ser infantil. Agora com nove anos eu queria minha mãe mais tempo comigo. Entendia melhor as coisas. Não iria chorar mais toda noite para ela ficar mais tempo comigo. Não adiantava. Ela só ficava mais triste e eu também. Hoje ela iria ficar mais tempo comigo, mas ela não saia do celular. Ela não ficava dizendo para eu não ficar o tempo todo nele? “Florzinha já deu. Chega de celular por hoje. Não combinamos?” Eu sempre pensava: “não”.  

Eu sempre passava mais tempo no celular dela do que com ela. Não queria aquela porcaria. Queria minha mãnhê. Mas, ela não tinha tempo e quando tinha estava trabalhando também. Trabalhando naquela porcaria de celular. Eu não posso nem falar nenhuma palavra feia, mas ela não para de dizer... Ela brigou com as mães das minhas amiguinhas, brigou com minhas tias e se não me deixava correr com elas... Ei! Que som é esse? Aaaaa. Olha só! Nunca viemos por este lugar. Ah, é! Estamos indo ao médico. Preferia ficar em casa com minha manhê. Mas, olha lá. Ela nem me olha...

Quando a gente foi pra praia... Foi tão, tão legal... Mas, eu brincava sozinha. Minha mãe ficava tirando fotos... Ela desconfiava de todo mundo, mas pelo menos dormia comigo todos os dias. A gente podia fazer isso mais vezes... Não é, não?! Meu cachorrinho ficou lá na vovó e eu não tenho mais amiguinhos. A gente mudou e eu chorei tanto, mas tanto, tanto, tanto... Não teve jeito. Fiquei sem minha vovó e sem meu amiguinho! Hum!! O Auzinho eu levava pra dormir comigo mesmo ela dizendo que não ia deixar mais eu mexer no celular se eu levasse ele pro quarto. Era proibido dormir porque tinha um monte de doenças, mas não me explicou nada. Até parece que o Auzinho tinha alguma coisa...

Olha aquelas meninas têm a minha altura. Estão correndo só-zin-has, só-zin-has, só-zin-haaaas... Vou lá rapidinho. Mãnhê, mãnhê, mãnhê, mãnhêmãnhêmãnhê eu já volto tá? Não vem carro... Vou correndo... Vou ficar virada pro carro pra não perder e... Ei! Espera eu! Oi? Nãooooo! Hummmmmm.... “O que houve menininha? Por que você está chorando? Heim? Conta pra titia? Conta.” Você não é minha tia? Eu não sou menininha, não!! Sou mocinha já, viu!! Quem é você? Quero minha mãnhê!!! Sai! Me larga! Me larga! Me larga! “Ei!! Florzinha?” Tia Porteira!! Salva eu! Liga pra mãnhê, liga? Ela me esqueceu de novo... Tiaaa? Você conhece aquelas meninas?

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