sexta-feira, agosto 04, 2017

um medo particular(miniconto)





por Rafael Belo

Sinto-me uma cidade turística com seus picos de altas temporadas e suas ausências no restante do ano. Andando pela Rua do Comércio há silêncio, mas é como se cada pedra deste lugar falasse e eu não escuto. Não sinto nada. Estou bloqueada como as cantadas insolentes, invasivas e baratas me alcançando diretamente das redes sociais. Falta vontade e disposição para sentir de verdade. Minha empatia era extrema e eu a condenei a inatividade. Ela me esgotava. Mal conseguia me ser quem dirá ser muitas outras... É como se eu fosse uma praia inexplorada e de repente alguém me divulgasse com patrocínio no Facebook e Instagram. Nunca mais soube se eram meus sentimentos ou das outras...

Consideraram-me louca e realmente eu enlouqueci. Se já é difícil lidar com os próprios sentimentos imagine com uma enxurrada sentimental mundial? Quem pode me entender? Em nenhum momento da minha vida eu me tive para mim. Era obrigada a ter uma concentração impossível para descobrir se me pertencia o que sentia ou a outrem. Não descobri antes e ainda nada sei. Mas, eu não aguentava mais, sabe? Desconhecia a sensação de sentir sono. Eu sentia angústia, ira, fúria, ódio, dor, sofrimento, alegria, tristeza, decepção... Esta Era da decepção, da depressão me fez um abismo tão profundo a ponto de no outro lado ter um buraco negro esperando em looping...

Talvez eu seja uma mulher vazia hoje, mas já fui A Recebedora. Talvez quando era assim fosse também cheia de tudo e isso significava ser cheia de nada... Sai vagando e vi alguém como eu fui. Teria sido eu? Quase cedi a um impulso desconhecido de acolhê-la e dizer que tudo ficaria bem. Ah, ta! Até parece! Ficaria pior na medida em que... Ela se contorcia de dor... Eu cheguei a começar a sentí-la, mas rejeitei de imediato e corri. Sim. Eu corri para longe. Eu estou no fundo de mim, sei disso, repleta de toda a empatia bloqueada inata em todos nós. Rá! Eu digo bloquei, mas não é bem assim, sabe? Eu ainda tento não dormir porque não tenho controle...

Assim, descontrolada, sinto tudo aquilo guardado no meu eu no fundo de mim... Sonho com cada pessoa deste meu mundo. Todas têm uma cor diferente referente ao sentimento delas e, no caso, meu sentimento. Eventualmente eu durmo e irei dormir de novo. Tenho medo. Pode até ser esta minha missão neste mundo: ajudar quem não consegue lidar consigo mesma sozinha, mas não achei não poder ser obrigada. Mas, parece ser a única forma de passar, de entender, de continuar... Quero só andar sem sentir nada além da brisa marítima e meus pés descalços nestas pedras deslocadas. Porém, eu temo o logo mais e tenho um medo em particular... Tenho medo de sonhar.

Nenhum comentário: