sexta-feira, abril 27, 2018

Coletivo de almas (miniconto)







por Rafael Belo

Meu corpo não tem pai, não tem mãe... Só vai. Sem dono não se permite limites. Usa todos os sentidos e enxerga melhor de olhos fechados. Não dá palpites, sequer usa palavras. Ele dança sem pensar, sem razão, sem pressão, sem amanhã... Às vezes, pareço sair dele, ver a felicidade ali e todos os silêncios vão debandando do corpo feito pássaros feridos desaprendidos de voar. Nas penas vão sentindo como um Tango Argentino esquisito procurando um lugar para pousar... Onde? Me pego perguntando e logo saio dançando porque passa.

Passado não tem vez. Aqui é libertação. Cada passo me conduz e eu conduzo o passo. Sou condutora, conduzida na caminhada, conduzindo no gancho e toda cruzada é o verso de um corte cheio de voleios e meias voltas. Impulsos para seguir adiante e no meu semblante a expressão do instante confiante da responsabilidade do poder. É um querer não querer presente tão eloquente e independente contagiando pessoas e lugar. Quem anda para, quem para dança, quem dança sorri, vive também o que vivo e vivi. A música acaba e a gravidade retorna.

Então, se pausa, outra começa naquele lugar. Enquanto um passarinho adorna meus ombros, outros olham obliquamente e vêm como maré serenar, encher até transbordar com a noite caindo e a gente desexistindo para ser aquela onda universal brisada indo ao avesso, mar adentro. Dançando com o vento vou mulher, dona de mim e até assim a me libertar. Evaporando nuvens, formando chuvas caindo catarse formando uma frase com o ínfimo do corpo e livros infinitos com meu particular eu sem fim. Assim, em muda de fases, em muda de roupas, em mudas de pele...

Aderi a algo universal que me adere. Nada me fere quando estou a dançar. Sou água doce, água salgada, o tempero pessoal no meu coletivo amar, não vejo nada estranho em nenhum lugar no momento que sou a dança, já não sou nenhum dos segundos antecedidos com o futuro acabando a cada novo tango, em todo passar... Transfiro gratuitamente o peso e o preço a se pagar é se entregar e defender a chance diária de ser quem sou. Já O Sentir não tem preço é o próprio Amor concentrado em se espalhar. Por isso, meu corpo é história, é vida, é o lugar, é Mulher, não objeto ou sequer algo menor a um coletivo de almas. Deixa eu dançar!

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